Nada é tão presente nas culturas dos povos como as indagações: o que é a vida? O que há após ela? Cada sociedade responde do seu jeito, a partir do conjunto de crenças e da História que formam aquela visão de mundo. Me dei conta dessa tópica e da enorme diferença entre, grosso modo, ocidentais e orientais, no que tange à visão da morte, ao assistir na TV o filme AI: Inteligência Artificial. (Em verdade a oposição de visões de mundo deve ser entre o mundo ocidental, esse que remonta à história principalmente dos povos europeus, que depois desenvolve e consolida o capitalismo, e os demais, em que englobamos asiáticos, africanos e americanos – aqui, me refiro exclusivamente aos ameríndios e à tradição indígena nas Américas.)
O filme citado, de 2001 e dirigido por Steven Spielberg, retrata uma sociedade avançada tecnologicamente em que se produzem robôs. O protagonista é um robô de um menino, que foi introjetado com sentimentos humanos e é comprado por uma família que está em estado de trauma. O motivo é: seu único filho está em estado vegetativo em decorrência de um acidente. O casal decide adquirir o robô para ser o substituto de seu filho. Na hora me veio a lembrança da novela O clone, coincidentemente também de 2001, em que, a partir da morte de um personagem, um cientista decide, com matéria genético do defunto, criar um ser artificialmente, mas que será gerado por uma barriga de aluguel.
O que os dois objetos têm em comum? Retratam a dificuldade que os povos ocidentais têm em aceitar a morte. Não aceitamos esta lei da natureza e direcionamos esforços na tentativa, sempre falha, de tentar contorná-la. (Acabo de me lembrar do belo filme de Ingmar Bergman, O sétimo selo, 1957, em que vemos a mesma coisa: o cavaleiro decide enfrentar a Morte em uma partida de xadrez na tentativa de ampliar seus dias de vida.) Fantasiamos robôs e clones numa tentativa fadada ao fracasso para não aceitarmos o fato, a única certeza que temos: que a vida é finita.
Já os ameríndios, e não posso dizer “asiáticos” porque seria impreciso demais, e como não tenho conhecimento disto, apontarei apenas filmes asiáticos que retratam determinados povos cuja visão sobre a morte é semelhante à dos ameríndios e por isso contribuem na comparação, eles possuem uma crença diferente daquela retratada acima, que tachei como ocidental. Em um longa nacional, chamado Chuva é cantoria na aldeia dos mortos (2019), de João Salaviza Renée Nader Messora, vemos como os indígenas encaram a Morte como algo natural. Além disso, antropólogos apontam que os ameríndios acreditam que os mortos têm ponto de vista, ou seja, se pode conversar com eles. É a mesma relação que obsevamos em filmes do tailandês Apichatpong Weerasethakul, como no grande filme Mal dos Trópicos (2004) e principalmente em Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas (2010).
Naomi Kawase, diretora japonesa, entra nessa comparação também com seu filme Sabor da vida (2015), em que não vemos exatamente algo como dito acima, mas vemos a morte como transformação. Além disso, não é algo que é encarado necessariamente como ruim, mas como, mais uma vez, parte da Natureza da vida. E isto falta a nós, ocidentais.
Rodrigo Mendes