A propósito de Licínio Azevedo

Tive o prazer de conhecer o trabalho de Licínio Azevedo, cineasta nascido no Rio Grande do Sul e radicado em Moçambique, em uma mostra realizada na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. (De novo as salas de cinema independentes…) O diretor começou como documentarista e ao longo de sua carreira passou a fazer ficção. Ele diz que precisa estar constantemente fazendo cinema, porque a linguagem precisa sempre estar em movimento, para se desenvolver.

Curiosa declaração, a qual eu concordo. Arte é processo. É lindo ver a filmografia completa de algum diretor ou diretora e perceber seu desenvolvimento, os aprimoramentos, os erros, o estilo. (Um breve exemplo: é claríssimo o desenrolar da filmografia de Stanley Kubrick, que começa fazendo filmes em preto e branco com roteiros originais, e que após 2001: uma odisseia no espaço passa a valorizar muito as cores, que dão todo o sentido dos seus filmes, e passa a utilizar roteiros adaptados. Talvez não tenha necessária relação entre essas coisas, mas é um fato. Seu estilo vai se consolidando até chegar no inquietante De olhos bem fechados, que Kubrick morre antes de vê-lo lançado.)

Licínio passa do documentário à ficção. Quais suas diferenças? Para ele, não há. Seus documentários raramente são clássicos, com entrevistas, e muitas vezes seguem a vida real das pessoas em seu cotidiano. O diretor fez filmes cobrindo guerras de independência em países africanos, o que também demonstra a vontade do diretor pelo real e pelo dinâmico, digamos assim, em detrimento de apenas entrevistas, que utiliza quando o filme pede, em casos em que o assunto é algo do passado, como exemplificou em debate pós-sessão.

E foi assim que assisti ao filme de ficção Grande bazar, filmado em uma grande feira ao ar livre que de fato existe, foi pedido autorização para filmar ali em meio às frutas, verduras, sapatos e muitas coisas que se possa imaginar. Os atores não são profissionais, e a dupla mirim encarna muito bem seus papéis, duas crianças pobres em meio ao cotidiano de precariedade do país sul-africano, sobrevivendo com criatividade e bom humor à pobreza diária.

Se não fosse pelas falas ensaiadas, qual a diferença entre documentário e ficção?

Rodrigo Mendes