As salas de cinema independente a cada dia mostram o seu valor. Semana passada assisti ao grande filme Operação França (1971), de William Friedkin, no contexto de uma mostra sobre questões urbanas, cidades, etc., na Sala Redenção, situada no Campus da UFRGS em Porto Alegre. A sessão era em parceria com o Clube de Cinema e após a sessão houve um debate. Esse combo de cinema + debate é impensável em cinemas comerciais. E como agrega! É muito bom fruir uma obra de arte e depois debatê-la, construir seu sentido.
Muito bem, aprendi nesse debate a existência de uma espécie de censura que havia sobre o cinema estadunidense, desde os anos 30 ao final dos anos 60, o chamado Código Hays. Trata-se de um conjunto de normais e orientações morais conservadores, muito ligadas à igreja católica, que censurava temas, cenas, gêneros cinematográficos. Por isso a era de ouro do cinema dos EUA foi nos anos 30 com os musicais, filmes amenos e podemos dizer conservadores; outros filmes, como os de faroeste, em geral enquadravam-se nos parâmetros do código, talvez com algumas exceções de filmes mais violentos. (Penso que Orson Welles foi um ponto fora da curva nesse contexto.)
A existência desse código explica o porquê o cinema estadunidense chamou pouca ou nenhuma atenção em matéria de inventividade pelo menos entre os anos 50 e 60, enquanto na Europa e no Japão havia o fino da bossa em matéria de cinema, com a nouvelle vague revirando a história do cinema. Diretores japoneses como Hiroshi Teshigahara, autor de A face do outro (1966), Shôhei Imamura, de A mulher inseto (1963), ou Kenji Mizoguhi um pouco antes, com seu belo Contos da lua vaga (1953) são grandes exemplos da produtividade oriental na época, ao passo que os famosos franceses dos anos 60, como Godard, Chabrol, Truffaut, Varda, Resnais o são na França. E olha que nem falei no Ingmar Bergman, para mim o maior de todos, que produz desde os anos 40 e via ter seu auge talvez nos anos 70, mas tendo obras-primas espalhadas nas duas décadas anteriores.
E explica também o boom do cinema estadunidense a partir do marco simbólico de Maio de 68, em especial os anos 1970 com a chamada Nova Hollywood, da qual despontam Martim Scorsese, Francis Ford Coppola, William Friedkin, Brian de Palma, Michael Cimino, Steven Spilberg, entre outros. Operação França retrata a violência da cidade de Nova York, ajustado ao seu contexto histórico – época de Guerra Fria, por exemplo – em que a morte e o tráfico de drogas assolavam a cidade. Do ponto de vista formal há muita coisa interessante: uso de câmera subjetiva, criando um ponto de vista para o telespectador; montagem rápida, injetando tensão nas cenas brilhantes de ação (a cena de perseguição ao trem é sensacional); trilha sonora pontual e contrastando com o silêncio, gerando suspense; violência urbana sem a fetichizar, espetacularizando-a, mas também sem o conservadorismo de escondê-la, como pregava o Código Hays.
Enfim, o longa do diretor de O exorcista (este é de 1973), clássico do cinema, venceu Oscars e praticamente inauguraou o movimento de que falamos aqui, do novo cinema autoral estadunidense que se inicia no final dos 60 e vai até, segundo mediador da nossa conversa pós-filme, Touro indomável, de 1980. O filme sintetiza o que de mais importante havia na época: do ponto de vista social, a violência daquele contexto de tráfico de drogas numa conjuntura ampla de Guerra Fria e tensão mundial; do ponto de vista estético, aspectos da nouvelle vague, por exemplo no uso da câmera na mão e o recurso de câmera subjetiva, a construção de cenas de suspense, que Hitchcock ensinou desde os anos 40, e na criação de uma narrativa envolvente que se relaciona com o melhor de sua geração, como Taxi Driver de Scorsese, O poderoso chefão, de Coppola, dentre outros.
Rodrigo Mendes