No último sábado, 5/2, reencontrei amigos e conhecidos na Redenção, um parque aberto em Porto Alegre. Mas o encontro foi por um motivo triste e revoltante: um protesto por justiça de Moïse Kabagambe, o congolês que foi brutalmente assassinado no Rio de Janeiro, um caso claro de racismo e xenofobia, infelizmente tão presentes no Brasil.
Para além da luta, da revolta, do luto compartilhado lá, esse reencontro serviu para, ao contrário da pauta do ato, aliviar as tensões conversando sobre coisas que gostamos e que há tempos não fazíamos, como por exemplo falar de cinema. Eis que um amigo disse que estava vendo, com sua filha, todos os filmes do Studio Ghibli, o famoso estúdio de cinema japonês que tantas obras-primas trouxe ao mundo. Esse texto apresentará, em linhas gerais, para quem não o conhece, e servirá de porta de entrada a esse mundo maravilhoso que o Studio Ghibli encena.
Tive contato pela primeira vez com A viagem de Chihiro (2001). É meu predileto desde que o vi, uma obra-prima singela, forte, que conta a história da incrível personagem Chihiro, uma menina de 6, 7 anos que se vê perdida dos pais numa sociedade fantástica que ela não conhece, e passa a se desenvolver, tendo de enfrentar seus medos num contexto extremamente adverso. A técnica do filme de Hayao Miyazaki – um dos principais diretores do estúdio – é irretocável, a montagem dos planos, a pintura das animações (o Studio Ghibli só produz animações, mas engana-se quem pensa que são filmes para crianças), a trilha sonora, enfim.
Todos os que vi, à exceção de Túmulo dos vagalumes (1988), são dirigidos por Miyazaki. Seu primeiro longa, Naausica do vale do vento (1984), vemos uma heroína mirim que vive num mundo pós-apocalíptico, onde poucos lugares do mundo – as florestas – possuem ar respirável (bem atual, aliás). Um filme bem político. Uma peculiaridade de Miyazaki é que todos seus protagonistas são jovens, muitas vezes crianças, como também vemos no bom filme Meu amigo Totoro (1988), filme muito divertido para crianças, mas que contém sutilezas para os mais velhos captarem.
Porco Rosso (1992) é uma exceção, o protagonista é um aviador adulto, um porco, aliás um personagem bem interessante, com defeitos e contradições típicas do ser humano. O filme tem no fundo um embate bem clichê de mal contra o bem. O castelo animado (2004), filme subsequente a Chihiro, é mais complexo, na linha do seu antecessor. Mexe com mundos, dimensões diferentes, troca de personalidade, humanos e demônios. É um grande filme.
Para finalizar o texto, o único filme do estúdio que vi e que não é dirigido por Miyazaki, Túmulo dos vagalumes (1988), de Isao Takahata é um baita filme. É também o filme mais triste que já assisti. Trata-se de um casal de irmãos órfãos no meio da Segunda Guerra, no Japão. A violência retratada, a narrativa do filme in media res, ou seja, que começa na frente, volta e depois vai adiante – portanto já sabemos de coisas que adiante serão contadas –, a composição dura das cenas, as cores, enfim, um filme arrebatador, extremamente triste, portanto não assista se estiver mal, triste, se não passou bem a semana. Mas como toda boa obra de arte, ele nos reporta a uma dimensão do humano de forma impressionante, e mostra todo o horror que uma guerra é.
Rodrigo Mendes