A destruição da saúde no Brasil

Texto de Opinião da Resistência Popular – AL

O que é o SUS e quais são os ataques que ele enfrenta nesse momento?

Conquistado a duras penas pelas lutas do povo, o Sistema Único de Saúde (SUS) garante o acesso à saúde de todas as pessoas vivendo em território brasileiro. Consultas, vacinas, medicamentos, cirurgias, tratamentos para câncer, grupos de cessação do tabagismo são apenas algumas das necessidades fundamentais atendidas no dia-a-dia. Muitas vezes todo esse universo de atendimentos sequer se faz visível em meio a tantas precariedades. Desleixo? Desorganização? E se dissermos que não? Toda essa precariedade é estruturalmente programada e faz parte de todo um projeto de ataques coordenados de governantes, legisladores e seus financiadores – os planos de saúde e indústrias de medicamentos e equipamentos médicos.

O SUS foi garantido como direito na Constituição Federal de 1988 graças a uma ampla movimentação da sociedade. Movimentos de bairro, movimentos sindicais, pessoas da academia somaram esforços para essa conquista. Nada foi dado de favor por nenhum político. Pelo contrário, o governo foi pressionado pela sociedade e conquistamos esse direito graças à mobilização social. Infelizmente essa disputa nunca foi fácil e os empresários da área, ligados à indústria farmacêutica e de equipamentos médicos, ou aos grupos empresariais da saúde e planos de saúde, sempre boicotaram a real implementação do SUS. Mesmo com avanços, o SUS nunca foi implementado como concebido pelos lutadores sociais, mantendo-se na luta até hoje.

Um de seus problemas é o financiamento. Hoje o sistema conta com 4% do orçamento mesmo com um serviço universal, ou seja, um serviço que garante saúde a todos e todas. Esse financiamento é proporcionalmente menor do que os países economicamente equivalentes ao Brasil que sequer têm à disponibilidade um serviço com a pretensão de ser universal. Além disso, a má gestão da saúde, atendendo a interesses de grupos políticos e empresariais em boa parte das vezes, drena os recursos já escassos. Seja quando distribuem cargos por mero interesse político em detrimento da atenção a população, seja quando escancaram com privatizações entregando a saúde pra empresários, os governantes demonstram que não se preocupam com a eficácia e o funcionamento do SUS. A saída para esse mal – o financiamento adequado e a gestão dos serviços pelos trabalhadores da saúde e pela sociedade civil organizada – nunca se concretizou.

Apesar de não ser novidade, o desmonte dessa rede de cuidados ganha uma nova cara nos nossos tempos: os serviços com cada vez menos recursos depois da PEC da Morte – EC95; a privatização ainda mais agressiva batendo na porta da atenção primária; e o conservadorismo se espalha pelas normas que regulam o trabalho dos profissionais, legalizando práticas violentas contra a população LGBT, as mulheres cis e homens trans.

Para 80% do povo brasileiro que depende do SUS para manter sua saúde, a dificuldade de encontrar uma Unidade de Saúde da Família em seu bairro é evidente. Na capital de Alagoas, apenas 27% da população está vinculada a uma equipe de seu bairro, responsável por ser a porta de entrada para o resto do sistema. A todos os outros, restam filas em UPAs e hospitais e o vai-e-vem por diversos profissionais de saúde. Longe da capital, no campo e na floresta, o problema é ainda maior: boa parte da população está quilômetros distantes do primeiro serviço de saúde. Quem consegue um atendimento, enfrenta ainda o desafio da espera pelos exames, da falta de medicamentos, da longa espera por uma cirurgia. Depois da efetivação da PEC da Morte (que reduz investimentos em saúde e educação por 20 anos), a demora, as dificuldades e o acesso deve ser ainda pior. A conta que já não bate deve ficar cada vez mais no vermelho e cada vez mais a saúde vai sair do bolso do trabalhador.Nessa toada, a atual gestão do Ministério da Saúde vem fazendo declarações questionando a gratuitade da saúde para todos.

Juntamente com projetos como o “Médicos pelo Brasil” é possível vislumbrar um plano em rota de colisão com as necessidades do povo. Utilizando a falsa desculpa de ampliar o acesso, a tendência do governo é centrar os esforços numa Atenção Primária à Saúde cada vez mais reduzida de recursos e insumos, escantear e desvalorizar a atuação da equipe de Enfermagem e dos Agentes Comunitários de Saúde – responsáveis por grandes avanços no combate à desnutrição infantil no Brasil – e acabar com a gestão pública dos serviços, deixando toda a gestão e contratação na mão de empresas. Mesmo a promessa de valorização aos profissionais médicos da Atenção Primária só pode ser outro canto de sereia: 20 anos de congelamento dos recursos vão de encontro à ideia de criação de um plano de carreiras. O esvaziamento dos direitos trabalhistas apontam para vínculos cada vez mais precários, menos direitos e cada vez mais exploração, mesmo quando estes profissionais forem contratados pela empresa pública que o governo deseja criar.Para os demais espaços de atenção à saúde, como os hospitais, laboratórios e clínicas de especialidades o destino direto é a mão dos grandes empresários: seja com uma privatização mais escancarada, seja cedendo espaço para os planos de saúde.

No campo das privatizações, os experimentos macabros e antiéticos nunca pararam. Um dos mais conhecidos desses projetos são as Organizações Sociais (OS), um modelo que desde 1998 vem sendo adotado por governos das mais diferentes cores partidárias Brasil a fora e combina bem com as medidas ultraliberais do atual governo federal. Nele o governo entra com os recursos e as empresas apenas com a gestão. Prometendo eficiência na gestão, colocam as leis do mercado acima das necessidades humanas. Do ponto de vista do empresário, podem até ser eficientes, mas não cumprem essa promessa quando pensamos no bem estar da população: diversas ações movidas pelo Ministério Público demonstram indícios de sua incompetência e corrupção, acabando com a ilusão de eficiência e pureza propagada por aqueles que defendem a privatização. Casos como o do Rio Grande do Norte e no Rio de Janeiro que tiveram repercussão nacional e demonstraram a ineficiência das OS’s quando se leva em conta o bem estar da população a longo prazo. No Rio, por exemplo, várias unidades de saúde geridas por OS’s foram fechadas recentemente. Estudos feitos pelo Tribunal de Conta de São Paulo mostram que as OS’s em São Paulo (Unidade Federativa que adota esse modelo há mais tempo) não ampliaram os serviços e gastam mais recursos que antes.

A receita na qual os planos de saúde apostam para lucrar é simples: esvaziar o nosso bolso em troca de aliviar nosso sofrimento. Ao mesmo tempo em que estimularam através de doações de campanha as políticas de sucateamento dos serviços públicos, pressionam para que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), orgão do governo responsável por regulamentar o mínimo que um plano de saúde deve garantir a quem o paga, permita a criaçao dos chamados “Planos de Saúde Populares”. Nessa ideia, as opções de planos mais baratos incluiriam basicamente três: uma que não cobre a internação em caso de necessidade, uma que cobre a necessidade de internação, porém com uma burocracia adicional e outra em que qualquer serviço utilizado seria rateado entre o segurado e o plano, ou seja, cada um paga pela metade. O objetivo dos planos é único: barrar ao máximo o que gera custo alto para o plano (exames, internamentos, medicamentos) e lucrar.

Os ataques não param por aí e atingem com mais impacto ainda a população LGBT+ e mulheres. Promessas de “cura gay” pautam a discussão política mais importante no Conselho Federal de Psicologia, enquanto a restrição cada vez brutal ao direito de escolha das mulheres sobre o que acontece com seu corpo – seja antes, durante ou depois da gestação – é expressa em resoluções do Conselho Federal de Medicina. Além de irem de encontro ao conhecimento acumulado até hoje pelos estudos científicos das áreas de saúde e de psicologia, essas ações são também completamente antiéticas e – contando com apoio irrestrito do Estado – ganham cada vez mais espaço nos conselhos de ética dessas profissões, no imaginário e no quotidiano dos profissionais que devem nos atender. Assim, uma mordaça é colocada sobre a boca das grávidas com a desculpa de “salvar a vida do nenê”, pessoas LGBT sofrem diversas torturas psicológicas e físicas com o intuito de “serem salvas” e cada vez mais violências são praticadas contra nós.

São esses os diversos desafios colocados à nossa frente para a saúde. Para enfrentar essa luta, precisamos de organização em torno da nossa unidade de saúde, junto aos outros moradores do nosso bairro, junto aos médicos, enfermeiros, agentes de saúde e demais profissionais que lutam por um SUS melhor todos os dias. Precisamos encarar o desafio de questionar as medidas aterradoras implementadas pelo Estado, reorganizar e exigir aquilo que queremos e como queremos. Para ajudar nessa tarefa, nós, da Resistência Popular de Alagoas, produziremos uma série de textos sobre os ataques ao SUS, desfiando cada um deles e mostrando de onde vêm e onde querem nos golpear. Então, fique atento à próxima publicação sobre As falácias do Programa Médicos pelo Brasil – O que se esconde por trás de um projeto de garantia de assistência médica no Brasil?