A crise da água no RJ continua – e como podemos enfrentá-la

Texto escrito pela Resistência Popular-RJ.

Mais de um mês após o início da crise de abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro, cujas causas ainda não foram totalmente confirmadas, a cor marrom, o gosto de terra e o cheiro de podre ainda são fortes. Ainda que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro – CEDAE e o Governo estadual afirmem que o problema se resume à presença de geosmina, subproduto gerado por algas, professores especialistas da UFRJ lançaram uma nota no dia 15 do mês passado afirmando que a geosmina não provoca turbidez, de modo que outras substâncias também estariam presentes na água, e denunciando o desenho de uma grave crise hídrica na região.

A principal causa: poluição, principalmente relacionada ao despejo de esgoto bruto e resíduos industriais nos mananciais que alimentam o rio Guandu, o que remete também ao grande problema da falta de saneamento básico na região metropolitana do Rio de Janeiro.

O saneamento é um problema nacional – apenas 37% do esgoto domiciliar é tratado – e se agrava em nosso contexto local. Além da falta de informações confiáveis para consulta e mapeamento, é espantoso saber que, mesmo nesse cenário precário de saneamento domiciliar, dos dez municípios de todo o Brasil com pior índice do serviço, três estão na Baixada Fluminense: Nova Iguaçu (0,15%), Belford Roxo (4,52%) e São João de Meriti (0%). Essa realidade reflete também o forte racismo ambiental presente em nossa estrutura social, onde os mais pobres e os negros, principalmente as mulheres negras, sofrem maiores consequências da degradação ambiental e do descaso do poder público. Como se não bastasse, em dezembro Witzel conseguiu aprovar na ALERJ um corte de R$ 370 milhões em fundos cuja aplicação obrigatória seria no saneamento básico. E é justamente isso que está por trás de toda essa crise.

Enquanto Witzel e seu círculo afirmam ter sido sabotagem e o ex-presidente da CEDAE se diverte festejando em banheiras – vale dizer que o mesmo era integrante do conselho administrativo da Samarco na época do desastre em Mariana, Minas Gerais – devemos denunciar o desmonte de uma das principais estatais do Rio de Janeiro, que se mostra sob a velha lógica do “sucatear para privatizar”. A ideia de privatizar a estatal não é de hoje. Ainda em 2016, durante a crise fiscal do governo Pezão, uma das contrapartidas no acordo com o governo federal para um regime de recuperação econômica era privatizar a CEDAE, contudo a mobilização e o enfretamento popular conseguiram barrar o processo de avançar.

Hoje, eles tentam novamente nos impor a privatização. Witzel já afirmou em entrevista ser o leilão o único caminho para solucionar a crise hídrica. Juntamente com isso, o legislativo federal aprovou, em dezembro passado, o chamado Novo Marco do Saneamento, que, na prática, permite a privatização do serviço. Dessa forma, para barrar os ataques do governo estadual e federal e dos empresários que os financiam é fundamental que nos organizemos e retomemos as ruas, enfrentando as políticas neoliberais que tentam nos enfiar goela à baixo!

Bolívia também já teve sua crise na água

No final do século passado, Hugo Banzer, um presidente tão subserviente aos EUA quanto Bolsonaro, tentou privatizar os serviços de abastecimento de água na Bolívia e a população respondeu com uma série mobilizações que ficaram conhecidas como a Guerra pela Água. Indígenas e camponeses bolivianos, que estavam destinados ao racionamento de água, bloquearam estradas essenciais à circulação de mercadorias e sitiaram grandes cidades, como La Paz e Cochabamba, e o governo não teve opção senão recuar e abandonar o projeto. Recentemente, equatorianos, haitianos e chilenos também mostraram alguns dos caminhos a serem trilhados na luta contra o neoliberalismo e o alto custo de vida para os trabalhadores e trabalhadoras. Que as experiências de nossos irmãos latinos sirvam de lição e combustível para que a revolta também se alastre por aqui.