A caserna e sua ameaça concreta

04 de abril de 2018, Bruno Lima Rocha

Na noite de 03 de abril o general Eduardo Villas Bôas, comandante em chefe do Exército Brasileiro, escreveu dois tuites a respeito do processo de “impunidade” que atinge os “cidadãos de bem” e colocou em dúvida se, à frente das instituições, estariam defendendo os interesses da sociedade ou de tipo particular. Os dois textos através do Twitter, caem como bomba no meio político, mas em especial no meio da centro-esquerda (PT, PC do B) e da esquerda eleitoral (PSOL) – que imediata e corretamente se posicionaram contrárias – e colocou um problema na mesa. A Força Terrestre, e por tabela as Forças Armadas, estariam se atrevendo a intervir no processo político e a questionar diretamente – através de seu comandante – uma possível decisão do STF pelo Habeas Corpus do ex-presidente Lula?

No Jornal Nacional da mesma noite, o âncora William Bonner leu o tuite de Villas Bôas e não comentou.  Já no Jornal da Globo,  na madrugada de terça 03 de abril para quarta 04 – data do início do julgamento do HC de Lula – a jornalista Renata Lo Prete comentou que o general ultrapassou a missão constitucional das Forças Armadas. Vamos supor que a média prevalente da Globo siga válida. Como força interveniente na sociedade brasileira – 100 milhões de receptores em todas as plataformas segundo o anúncio da empresa – nenhuma comunicação desta envergadura sairia sem o aval ou a orientação das chefias diretas e antes disso, sem no mínimo consultar a família Marinho. Vamos supor que sim; logo, a Globo, tal como entendeu fazer a panela subir, fez a pressão baixar, ou ao menos pensa que ainda pode ter algum controle – para além da incidência – neste processo.

Já o tuite do general Villas Bôas foi seguido de outras tuitadas vindas de generais na ativa jurando lealdade, recheados de outros termos castrenses. Quem conhece um pouco o meio sabe que esse tipo de comunicação eleva o tom e cria uma “vibração” que fortalece a própria hierarquia. Eduardo Villas Bôas tem um agravante, sua liderança é inconteste, mas ele padece de doença degenerativa e muito provavelmente não poderá acompanhar, mesmo que da reserva, os percalços do próximo governo (supondo que teremos eleições e não saia nenhuma carta da manga como uma emenda parlamentarista). Assim, temos um problema de continuidade na interna militar.

Concordo integralmente com Luiz Eduardo Soares e analiso que este tuite foi, de fato, uma chantagem sobre o STF e as instituições republicanas no Brasil. Também avalio a existência, real, de uma insubordinação do primeiro grau da magistratura federal, também da segunda instância e do clima de “cruzada estamental” das carreiras jurídicas e policiais – com status de delegado – e um reflexo disso na baixa soldadesca, incluindo praças e sargentos das polícias militares em cidades-polo de regiões afastadas ou mesmo lugarejos. Ou seja, foram abertas as portas do inferno, a hierarquia institucional pode estar se esvaindo e sobressai o prestígio ou a falta de escrúpulos de indivíduos em posições-chave desta crise. Neste meio incluímos a “República de Curitiba”, reforçada por um diretor de cinema e outra empresa de TV por assinatura.  Enfim, “liberou geral” para quase todos, e o generalato?

Vou seguir na hipótese de que a interna dos generais da ativa e dos recentemente passados para a reserva esteja com demasiada incidência de elementos de extrema-direita. E, reforço, a extrema-direita militar na América Latina nunca é anti-imperialista, ao menos não até às ultimas consequências (vide Guerra das Malvinas). Portanto, a histeria permitida é uma versão polida – ou não tão polida assim – das mensagens patéticas (e perigosas) do deputado e ex-capitão do EB, Jair Bolsonaro. Logo, mesmo que a intenção não tenha sido chantagear o STF, o resultado do comunicado de Villas Bôas deu no mesmo, pois até para posicionar-se dentro de uma – suposta – hierarquia fragilizada, o comandante em chefe precisa fazer convocatória moralista pelo Twitter! A situação realmente está complicada.

Para piorar, além do tema do HC de Lula, a lambança da presidenta do STF ministra Cármen Lúcia ao fulanizar o tema da Ação Direta de Constitucionalidade e antecipar uma decisão pontual à ratificação ou não da regra constitucional; temos a Operação Skala e as evidências mais que concretas relacionando o núcleo duro do governo do presidente Temer com os alvos destas prisões e as decorrentes investigações. Mesmo sabendo que é matéria requentada e tema trazido à tona para intervir no processo político, numa perigosa aproximação de interesses como do ex-PGR Rodrigo Janot e o impagável ministro do STF Luís Roberto Barroso. Assim, se há risco de impunidade e a constatação, fática, de que os mais suspeitos ocupam o Poder Executivo, atiça a caserna a “buscar soluções”. Reforçando o “atiçamento”, a temerária opção de Temer ao recorrer ao ministro-chefe do GSI, o general da ativa e saudosista, Sérgio Etchegoyen. Ou seja, de ambos os lados, aumentam as chances de que a Força Terrestre – através do generalato – projete alguma pretensão de monitoramento sobre as instituições.

Para concluir, a soma dos fatores não altera o resultado. A chamada “ala profissional” do Exército vê sua liderança histórica no período democrático projetar uma chantagem sobre o STF, onde são 11 ministros e cada qual opera seu próprio jogo. Se Villas Bôas representa o profissionalismo e a moderação, imaginemos as posições de quem defenda o intervencionismo e a projeção de poder?! Qualquer espectro de generais – hoje na reserva – como Antônio Hamilton Martins Mourão não é nenhuma fantasia perigosa. Trata-se de probabilidade, com uma capacidade de realização um pouco maior depois do desastroso tuite do comandante em chefe.

Realmente está complicada a situação no país e é urgente o repúdio a qualquer intenção fardada intervir. Isso sem esquecer que estamos sob outro intervencionismo, o togado, nosso problema atual – de intervir. Especialmente as forças vivas do movimento popular e o conjunto das esquerdas brasileiras deveria se colocar de prontidão, aproximar agendas (debaixo para cima) e não permitir mais retrocessos. A meta estratégica deles – de todos eles – é a retirada de direitos constitucionais, a “mexicanização da pobreza e sociedade brasileiras” e também amputar as potencialidades do país no Sistema Internacional. Não adianta fingir que nada ocorre, isso está acontecendo e pode piorar.

Bruno Lima Rocha é cientista político, professor de relações internacionais e de jornalismo (www.estrategiaeanalise.com.br / estrategiaeanaliseblog.com / blimarocha@gmail.com / canal do Telegram: t.me/estrategiaeanalise)