29 de julho de 2018, Bruno Lima Rocha
Aproximam-se as candidaturas definitivas à Presidência e parece que há um enorme vazio político mais à direita no Brasil. O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), campeão da “nova-velha” direita nas redes sociais, baluarte das posições retrógradas e reacionárias, chegando ao ponto de ser um conservador social, simplesmente não emplaca nos palanques. Nota-se a dificuldade em fechar o nome do candidato à vice, e a causa é simples. A primeira meta dos operadores políticos profissionais é seguir nos mandatos, conseguindo o acesso aos postos de poder dentro do aparelho de Estado e aos recursos coletivos. Ainda que no Brasil existam medidas legais, pesos, contrapesos e formas de controle cada vez mais rígidas, ainda assim há uma razoável margem de manobra para o Poder Executivo e suas maiorias parlamentárias, tributárias do semiparlamentarismo e da composição de governo no terceiro turno sem o escrutínio popular.
Por outro lado, se o “mito” da direita saudosa da ditadura e defensora de gestos que atentam contra os direitos humanos e valores democráticos não emplacam, reconhecemos, não foi por falta de tentativa. Bolsonaro e seus parcos aliados formais votaram em uníssono com o governo ilegítimo de Michel Temer (ex-vice eleito e reeleito com Dilma Rousseff), Henrique Meirelles (ex titular da Fazenda de Temer e por oito anos presidente do Banco Central com Lula) e Ilan Goldfajn (à frente da autoridade monetária sem haver recebido voto algum a não ser a sabatina do Senado que apoiou o golpe). Assim, um pacto de classes e acórdão de governabilidade rompido resultou no golpe com apelido de impeachment entre os tortuosos meses de abril e agosto de 2016. E justamente a dificuldade de refazer este pacto mantendo um mínimo de legitimidade é o que está minando as candidaturas mais à direita.
Assim, o abraço dos desesperados pode se dar na aposta, ou falta de opções, em torno de Geraldo Alckmin (PSDB-SP). O ex-governador de São Paulo recebeu ainda no final de julho o apoio formal de DEM, PP, PR, PRB, SD. O autointitulado “Centro Democrático” seria a continuidade do Centrão da Constituinte, décadas após veio a ser chamado de Blocão na Era Cunha e retornando ao nome de Centrão no Brasil pós-golpe. Se formos avaliar a condição da aliança, além de razoável consonância programática – que difere pouco ou nada das ideias manifestas sem definir um programa fechado com Jair Bolsonaro – significa uma chance real de disputar parcelas de poder, tanto na União como nos estados.
Parece que teremos consolidadas disputas. Uma, dentro do legado do lulismo e tendo como favorito o possível indicado do ex-presidente, que já larga com 15% das intenções de voto. Este “campo” vai do trabalhismo (com Ciro Gomes que insiste em não decolar) ao reformismo radicalizado, ocupando um espaço no sistema político que seria do PT nos anos ’80 e no século XXI passa a ser do PSOL, ainda que a legenda e sua organicidade sejam muito distintas do que se apresenta com densidade eleitoral. Assim, o “centro” da centro-esquerda é o próprio ex-presidente preso sem demonstrações cabais de provas materiais contundentes. Ele seria o conciliador dos interesses embora polarize os afetos. Neste último quesito, a nova-velha direita cibernética aproveita-se para fazer seu proselitismo político em cima de uma moralidade seletiva. Como afirmei em textos anteriores, continua sendo a Bala de Prata da campanha.
Já a outra disputa se dá dentro da direita com chances eleitorais e alguma base definida. Há um embate, onde Geraldo Alckmin insiste em apresentar-se como “moderado” diante da falta de pudor de Jair Bolsonaro. Não seria exagero afirmar que o conservantismo social do ex-capitão reformado da força terrestre (e político profissional de seguidos mandatos) chega a ser obscena. Aproveitando esta fragilidade composta de falta de apoio de oligarquias estaduais; ausência de organicidade e instrumento partidário (Bolsonaro favoreceu sua prole e não um instrumento político neofascista de massas) e, por fim, a altíssima rejeição superior ao apoio virtual do “mito”, criaram as condições necessárias para que a base do governo Temer visse na criatura política do ex-governador Mário Covas sua saída de tipo “mal menor”.
Mas, cabe uma ressalva. A “moderação” de Alckmin não coaduna com sua conduta à frente do Palácio dos Bandeirantes em várias oportunidades. Tanto em “suposta participação” de escândalos vultosos como o Trensalão, DERSA/Rodoanel e Merendão; passando por fechamento de escolas em 2015 e garantindo a “pax paulista pós-2006” exemplarmente retratada pelo jornalista Luis Nassif. Iniciada a campanha os embates não serão cordiais e submissos como a vergonhosa “entrevista” realizada em 23 de julho para o moribundo programa Roda Viva, outrora orgulho do telejornalismo nacional. Se alguém quiser observar a “moderação” de “Geraldo”, basta observar tanto sua política de segurança pública como a mão de ferro sobre a Fundação Padre Anchieta, especificamente no setor de jornalismo.
Como na Assembleia Nacional Constituinte, a direita articula uma saída possível e pragmática. Na década de ’80 do século passado, ninguém queria estar associado à ditadura, ainda que o então vice de Tancredo, que viria a tomar posse, era o ex-presidente nacional da ARENA quando esta se transforma em PDS após a reorganização partidária promovida por Golbery do Couto e Silva. A partir do terceiro turno “venezuelizado” de 2014 – porque antes o terceiro turno era a composição de maioria e da tal da governabilidade – o Brasil virou à direita nas redes sociais e no proselitismo primeiro golpista, e depois entreguista e antipovo. Isso pode servir para derrubar governo eleito, iniciado o desastre já na administração de Joaquim Levy como timoneiro do austericidio, mas não opera para convencer o eleitorado para cargos majoritários. Assim, toda a direita oligárquica e neopentecostal “virou ao centro” magicamente embora tanto a base de Alckmin como a de Bolsonaro, tenha apoiado o governo Temer e votado nas retiradas de direitos coletivos. E, para não tergiversar, nunca é demais lembrar que metade desta base ou mais compuseram as maiorias parlamentares dos três governos e meio de Lula e Dilma. Logo, seria um pacto de classes e elites conservadoras reconstruído, mas sem o elemento geração de emprego e renda da era anterior.
Vale ressaltar que a “moderação” de Geraldo Alckmin é de forma e não de conteúdo. Se nas relações sociais o PSDB flerta com a pós-modernidade lúcida de estilo europeu, na política econômica é puro neocolonialismo entreguista, sem tirar nem por com Bolsonaro e adjacências. O cenário é interessante. Podemos ver o engajamento das hordas virtuais com o “outsider” confrontando as cúpulas partidárias do Centrão da Direita. No segundo turno, possivelmente será o “centro” da centro-esquerda versus o “campeão da direita”. O desconforto do PSDB é um pouco maior do que os defensores da “linha chilena”, a que vai mesclando um protofascismo social e a aplicação de medidas neoliberais selvagens. A alta cúpula tucana alinha-se com uma subordinação incondicional ao Partido Democrata, mas entra em crise quando nos EUA tem uma política protecionista, isolacionista e sem a elegância do multilateralismo aparente de Clinton e Obama. Enfim, ambas as chapas, Bolsonaro (simulando ser um Trump subalterno) e Alckmin (a continuidade do colonialismo “responsável”) concordam com a pauta econômica entreguista, mas distanciam-se nas condições de execução de governo. O troglodita pode ganhar na urna, mas não governa. Já o “ponderado” conseguirá governar até o fim do mandato e executa o mesmo programa econômico do rival.
Triste escolha que não se soluciona nem com saídas de tipo mal menor e menos ainda desorganizando a população para assegurar a tal da governabilidade a qualquer custo, como ocorreu até 2013.
Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política, cientista político e professor de relações internacionais e jornalismo (estrategiaeanaliseblog.com / blimarocha@gmail.com)