No dia 12 de julho veio à tona na imprensa a denúncia de que os exames pré-câncer (o Papanicolau) realizados na rede pública municipal estariam sendo analisados por amostragem.
O exame, que deve ser feito em média anualmente por todas as mulheres a partir da primeira menstruação, tem um papel fundamental na saúde da mulher para a prevenção do câncer de colo de útero (o 3º tipo mais frequente entre as mulheres).
A suspeita é de que a situação teve início há cerca de seis anos. De lá para cá, os índices de casos de câncer, que antes eram semelhantes ao resto do país, praticamente zeraram em Pelotas. Profissionais da rede pública de saúde começaram a suspeitar ao constatar que mulheres que tinham lesões aparentes recebiam os laudos de seus exames com o resultado normal. Uma outra evidência é que mulheres começaram a chegar ao Hospital Escola da UFPEL em estágio avançado de metástase mas tinham exames com resultados normais. A suspeita é de que a cada 500 exames apenas 5 eram de fato analisados.
A UBS Bom Jesus desconfiou da situação e enviou um memorando à Secretaria da Saúde ainda em julho de 2017. A mesma UBS ainda registrou em ata a suspeita de exames por amostragem e encaminhou para a secretária de saúde Ana Costa em março deste ano. Após denúncia vir a público, a secretária confirmou que recebeu, mas que a denúncia foi informal e que providenciaria a troca do laboratório em nova licitação. Também surgiram relatos de mulheres e familiares que foram vítimas, inclusive com casos de óbito.
No dia 16 a prefeita Paula Mascarenhas retorna de viagem e assume a Secretaria da Municipal da Saúde, afastando a secretária Ana Costa por 15 dias de férias. Além disso, determina uma sindicância para investigar o caso. A Câmara de Vereadores também aprovou uma CPI dos exames pré-câncer bem como o Ministério Público irá investigar.
Apesar disso, é preciso salientar primeiro a falta de cuidado da prefeitura com seus arquivos e o perigo de o acusado investigar a si mesmo. Outro fato grave é que vieram a público também relatos de perseguição e assédio por parte da prefeitura para identificar os servidores que denunciaram a situação.
Uma UBS que denunciou já teve documentos recolhidos por ordem da prefeita. O SEG (Serviço Especializado em Ginecologia) laboratório responsável, teria fornecido para a prefeitura nesta segunda-feira 16 os relatórios solicitados. O município pretende contratar um outro laboratório para refazer os exames no período de um mês, e cruzar os resultados com os relatórios do SEG. O que não se sabe ainda é se as providências serão tomadas para refazer todos os exames com rapidez e a abrangência desses 6 anos.
As decisões foram tomadas em reunião da prefeita com a SMS, jurídico e assessoria especial e a presença do ex-prefeito Eduardo Leite (PSDB). Leite era prefeito na época em que teria começado a fraude e atualmente é pré-candidato ao governo do estado. Nos últimos tempos tem sido um ferrenho defensor do Plano de Recuperação Fiscal do governo do estado, que propõe privatizar empresas públicas, extinguir as fundações e atacar direitos dos servidores, dilapidando o patrimônio público e precarizando os serviços para a população. Defende inclusive a venda do Banrisul, que dá lucros aos cofres do governo.
Leite já esteve na mira do Ministério Público, que abriu uma investigação para apurar se o ex-prefeito favoreceu a Comunitas, organização da sociedade civil sediada em São Paulo, que prestou consultoria à cidade de Pelotas durante o seu governo. A Comunitas é uma organização que tem atuado por meio de convênios duvidosos em diversas prefeituras do país (muitas delas ligadas ao PSDB), com informações difusas e termos sigilosos. Busca estabelecer a participação nefasta da iniciativa privada na vida pública do país. É ligada às federações de indústrias e ao grande empresariado brasileiro. Em Pelotas, lidera o programa Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável, que tem braços na saúde, com a Rede Bem Cuidar e principalmente na área da segurança pública, através do Pacto pela Paz, uma parceria público-privada que argumenta a diminuição da violência mas que na prática aumenta o controle e a repressão do estado sobre a população.
O caso pode ter alcance ainda maior e ter abrangência regional. São várias as cidades que faziam os exames através de Pelotas: Arroio Grande, Chuí, Morro Redondo, Cerrito, Herval, Amaral Ferrador, Turuçu e Piratini.
Esse caso escandaloso faz parte de um processo de desmonte da saúde pública que ocorre em todas as esferas. Localmente, no ano passado o SIMERS (Sindicato Médico do Rio Grande do Sul) já havia protocolado um dossiê com apontamentos sobre a imensa desassistência da saúde pública pela administração municipal e cobrando providências. Há poucas semanas a prefeitura de Pelotas já apareceu envolvida em outro escândalo da saúde, que denunciava irregularidades no abastecimento de ambulâncias do SAMU.
Sobre a saúde da mulher, esse também não seria o primeiro ataque por parte da prefeitura, que vem sucateando a Rede Lilás (uma rede de enfrentamento e combate à violência) e que em 2017 tentou desviar a Casa Luciety (abrigo para mulheres e seus filhos vítimas de violência) de sua finalidade original.
Se comprovado, esse pode ser mais um exemplo brutal da violência de estado, que cada vez mais assassina a população de muitas formas, seja pela falta de investimentos, pelas fraudes, políticas de “segurança”, entre outras.