Policial que assassinou Sem-Terra em 2009 é condenado

Você sabia que o MST recebe treinamento em Cuba?“. Frases como esta saem comunmente da boca de pessoas que não conhecem o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra ou que têm oposição política ao movimento. Na manhã desta quinta-feira (21), ela e outros questionamentos semelhantes foram feitos pelo advogado de defesa de Alexandre Curto dos Santos, que enfrenta um júri popular por ter causado a morte de Elton Brum da Silva, assentado do MST morto aos 44 anos em 21 de agosto de 2009. O objetivo de Jabs Paim Bandeira, advogado que vem de Passo Fundo, onde mora e trabalha, para o julgamento, ficou evidente: instigar, nos jurados, preconceitos comuns contra militantes sociais.

O último episódio do julgamento acontece oito anos após o assassinato de Elton Brum, com um tiro pelas costas, em São Gabriel, quando participava da ocupação da Fazenda Southall, reivindicando que a área, em posse do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) desde que seu antigo dono foi à falência, fosse desapropriada para que colonos a fizessem voltar a cumprir sua função social: produzir alimentos. Alexandre Curto dos Santos, que era soldado do Pelotão de Operações Especiais do 6° Regimento de Polícia Montada (RPMon) do município de Bagé, responsável pelo disparo que vitimou o colono, foi condenado a 12 anos de prisão e perdeu seu cargo público. Como a prisão fora decretada no local do julgamento, saiu do Foro algemado.

Relembre o caso: Assassinato de Elton Brum completa oito anos

Ainda durante seu pronunciamento, o jurista responsável pela defesa do acusado relembrou a morte do cabo Valdeci de Abreu Lopes, morto em 1990 em um confronto com militantes do MST em Porto Alegre. “O que os direitos humanos disseram quando os sem terra mataram o soldado Valdeci?“, questionou, ignorando que seis pessoas foram condenadas e enquadradas em leis de segurança nacional – incluindo uma pessoa ferida por um tiro de pistola.

Em uma declaração breve, durante o intervalo para o almoço, o advogado de acusão Emiliano Maldonado afirmou que a equipe de defesa não tinha condições de provar a inocência do réu. “Querem aproveitar o momento em que o discurso de criminalização dos movimentos sociais está fortalecido e usar no júri porque sabem que, se analisarmos os fatos, não há outra conclusão a ser tirada”, declarou.

O Julgamento

No Foro Central de Porto Alegre, advogados de acusação e defesa ouviram testemunhas e o próprio réu. À época comandante-geral da Brigada Militar, o coronel Paulo Roberto Mendes defendeu a postura de seus subordinados na ação, não entrando em detalhes sobre a brutalidade dos policiais que, segundo as perícias e depoimentos de representantes de entidades da sociedade civil que investigaram o caso e afirmaram que houve tortura contra diversos acampados, entre os quais estavam crianças. A promotora de justiça Lisiane Villagrande Veríssimo da Fonseca, na época convocada para acompanhar a desocupação, também depôs em favor da polícia. Não recordou de abusos dos agentes do Estado, embora tenha mostrado boa memória para descrever atitudes, que considerou violentas, por parte dos manifestantes. Lisiane, que é nora de um fazendeiro de São Gabriel, como ela própria declarou em seu depoimento, não viu irregularidades na ação, mesmo admitindo que ficou a uma “distância razoável” e sua visão estava encoberta pela fumaça. Também deporam em favor do réu colegas de farda, todos sustentando versões semelhantes a de Curto.

Alexandre Curto dos Santos, em frente a seus advogados. (Foto: Marco Weissheimer/Sul21)

Pelo lado da acusação, liderada por dois promotores e um assistente jurídico, os questionamentos feitos abriram brechas nos depoimentos que atribuíram a morte de Brum a uma troca acidental de armas entre os soldados. Segundo Curto, ele carregou sua munição usando apenas balas “anti-motim”, porém teria pego, por engano, a espingarda calibre 12 de um colega – esta, então, carregada com munição letal – com quem dividia a viatura no caminho da fazenda. A declaração contradisse a de seu superior na ação. Segundo Mendes, não era permitido o uso de balas “de verdade” na operação.

Versões contraditórias

Hoje sargento, Curto alegou que, no momento do disparo, vira uma pessoa ir em direção, com a mão levantada, a um colega montado em um cavalo, mas não soube explicar sua resposta anterior, quando perguntado se não era uso excessivo da força atirar em alguém pelas costas e que respondeu não saber se Elton estava de frente ou não, pois não o enxergava em meio à fumaça. Também discordou da conclusão de um laudo pericial que dizia que ele estava de 3 a 5 metros da vítima, se defendendo e afirmando que estava de 8 a 10 metros, embora tenha admitido ainda que não “fez mira”, apenas se posicionou e atirou, ignorando o questionamento seguinte, de que assim, poderia colocar em risco também seu colega.

Daí para a frente, outras incoerências chamaram atenção: o réu disse que, após o incidente, abandonou o local e foi para sua viatura pois, no momento, percebera que havia feito o disparo com uma arma carregada com munição letal. Porém, não soube explicar porque não reportou o fato imediatamente aos seus superiores, como é recomendado. Diante do júri, ainda foi indagado se era ele quem pagava por seus defensores. Respondeu que sim. Sua advogada insistiu na pergunta e ele mudou a resposta, respondeu então que não estava tirando dinheiro de seu bolso para a defesa. A jurista encerrou as perguntas aí, afirmando que ela e seu companheiro estavam ali simplesmente por acreditar na versão do réu.

O advogado Jabs Paim Bandeira que saiu de Passo Fundo, na Região Central do Rio Grande do Sul, para, segundo sua colega jurista, defender de forma gratuita Alexandre Curto dos Santos, dono de uma cabanha (estância destinada à criação de animais) em seu nome, vai além. Tem um blog no qual expõe sua opinião contrária sobre o MST (com acusações sem provas), cotas para negros e índios e programas sociais, e seu apoio à Ditadura Militar Civil-Militar brasileira, ou, como ele chama em um texto, “revolução“.

A sentença trouxe certa sensação de justiça a família de Elton Brum, incluindo sua viúva, que saíram de Canguçu para acompanhar o julgamento, e também a dezenas de militantes do MST e outras pessoas que permaneceram do lado de fora aguardando o desfecho de um processo jurídico que se arrastou por quase uma década, após tentativas dos advogados de defesa do réu de atrasar o julgamento.

Memória

Atualmente, parte da Fazenda Southall é desapropriada para a reforma agrária e abriga 225 famílias no Assentamento Conquista do Caiboaté.

Na data do assassinato de Elton Brum, sempre ocorrem manifestações em todo o Rio Grande do Sul, tanto por parte do MST quanto por outros movimentos. A Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela encena, todos os anos, a peça “Nosso Herói Morreu de Calibre 12“, que denuncia os crimes e as injustiça cometidos contra trabalhadores do campo.

A partir de hoje, os dias 21 de setembro também serão lembrados, mas pela justiça que foi feita em, pelo menos, um caso.

Faixa que denuncia a morte de Elton Brum. (Reprodução)