Luta sindical e popular contra o desmonte do EJA em Cachoeirinha/RS

Repórter Popular RS

No ano de 2025, a prefeitura de Cachoeirinha, no Rio Grande do Sul, anuncia uma proposta que pode levar ao fechamento de turmas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) no município. Servidores municipais da educação e o Sindicato dos Municipários de Cachoeirinha (SIMCA) estão se posicionando de forma contrária a essas medidas e buscando refreá-las. O Repórter Popular ouviu essas pessoas trabalhadoras, assim como estudantes integrantes de turma EJA em Cachoeirinha para elaboração da matéria.

A Prefeitura de Cachoeirinha está tomando ações que podem diminuir a oferta de turmas do Ensino de Jovens e Adultos no município. Os argumentos estão baseados numa portaria publicada no ano passado, que indica que para abertura de uma turma será necessário alcançar o número de 20 pessoas matriculadas. Na falta disso, propõe-se a ofertar transporte para as pessoas que não moram nas proximidades.

O problema desse argumento é que, na prática, desmobiliza e reduz possibilidades de acesso e matrículas. Conversando com pessoas trabalhadoras da educação, com longa experiência de atuação em turmas de EJA, foi revelado que um número como esse quase nunca é alcançado, as turmas costumam ser menores nesse caso, ao longo dos últimos 20 anos no município e nas escolas que tem essa modalidade.

Segundo relato de uma estudante:

As turmas da escola EMEB Alzira Silveira de Araújo já foram fechadas. Agora tem o Zancheta, EMEB Carlos Wilkens e EMEB Portugal. A EMEB Zanchetta tem uma modalidade híbrida: dois dias na escola, três em casa. Não passa ônibus perto, teríamos que caminhar à noite por ruas escuras, algumas pessoas tem problemas de saúde, outras trabalham o dia inteiro e querem estar perto de suas casas…

Além disso, o perfil de estudantes dessas turmas costuma ser de pessoas que trabalham ao longo do dia, ou então pessoas mais velhas, às vezes idosas e/ou com algumas dificuldades de locomoção e saúde. Algumas, de mais idade, podem ter dificuldades em realizar tarefas de modo online. Ofertar acesso em bairros mais distantes acaba por desincentivar e colocar empecilhos, dificulta objetivamente a participação e interesse de pessoas nas turmas.

Uma estudante que não quis se identificar disse que:

A EMEB Carlos Wilkens, por exemplo, corre risco de fechar turmas….Desde que estudo minha turma nunca teve 20 pessoas, no máximo 15…Quanto à portaria das turmas mínimas de 20 pessoas: não sei se existe um decreto do MEC ou Sec. Estadual de Educação sobre esse número. A Prefeitura indica que não há recursos para manter essas turmas. Minha turma, do sétimo ano, tem 10 alunos…Vamos conseguir voltar a estudar? Falto serviço para participar de reuniões…Fizemos 3 reuniões com representantes da prefeitura e não há resposta positiva, apenas dizendo que vão ver…Mas as aulas estão para começar!!!!

O Sindicato dos Municiparios de Cachoeirinha (SIMCA) produziu um vídeo que contextualiza esse momento e traz relatos de 3 adultos impactados pelo EJA. Carlos, Núbia e Dinorá, através de diferentes histórias, foram beneficiados pela possibilidade de retomar os estudos que em algum momento tiveram que abandonar. A possibilidade de retomar estudos parece trazer junto consigo novos planos e perspectivas de vida à essas pessoas. A mudança ofertada pela prefeitura não contempla suas necessidades, dificulta o acesso e, assim, pode ser a situação de muitas outras pessoas do município.

A Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB), artigo 37, propõe que a oferta de ensino aos que tiveram esse acesso negado, interrompido ou dificultado, seja feita considerando os interesses, as condições de vida e trabalho das pessoas envolvidas, viabilizando e estimulando o acesso, o que seria o ponto crítico dessa mobilização de pessoas trabalhadoras do município, argumentando que na prática a medida da prefeitura coloca dificuldades objetivas para formação de turmas. Por isso, é de relativa importância que tanto estudantes como trabalhadoras com experiência sejam ouvidas, e além disso que suas posições sejam levadas à sério.

Dinorá Andrade, que aparece no vídeo, deu seu relato ao Repórter Popular:

Desde que estudo nunca vi turmas de 20 pessoas. Pra mim é inviável eu estudar em outra região, tenho problemas nos joelhos e pernas…As vezes temos que pedir liberação mais cedo por questões de saúde ou compromissos de família, e o ônibus e deslocamento vai funcionar com horários específicos, que não atendem a essas necessidades…Outras pessoas trabalham e chegam direto do trabalho e tem pouco tempo. Acredito que a Prefeitura está começando a nos escutar, estamos lutando como estudantes, em apoio com trabalhadoras da educação, para garantir nossos direitos. Não achamos justo que mexam nisso. Além de que já temos relações com professoras, com a escola, queremos poder continuar. Não vou conseguir estudar em outra escola se vai ser essa a medida. Vou ficar olhando para os materiais que já comprei, será o fim de um sonho, um projeto na minha vida…

O Repórter Popular teve acesso a alguns estudantes e buscou ouvir os relatos a partir das seguintes perguntas:: ‘Qual o impacto que o EJA teve na sua vida?’ e ‘Como vocês estão vendo esse momento em que existe o risco das turmas fecharem?’.

Dinorá prossegue:

Primeiramente, tive a oportunidade de retomar meus estudos através do EJA, porque no momento dos estudos básicos me envolvi com filhos, trabalhos e casa, ficando de lado a vontade de concluir o ensino fundamental…Hoje eu fico feliz porque mexeu com minha auto-estima, espero poder concluir e finalizar meus estudos, talvez fazer uma faculdade, quem sabe? Tenho 51 anos, tenho apoio dos meus filhos. Nesse momento estou com um problema crônico de saúde, encostada…Estudar me ajuda na saúde, me ajuda a movimentar e pensar em outras coisas. Só benefícios…Fui muito bem acolhida no EMEB Carlos Wilkens, professoras e direção sempre recebendo e acolhendo cada um em sua necessidade…Os professores são maravilhosos, explicam e apoiam nossas dificuldades. Espero que a nossa turma não feche e que esse trabalho possa continuar.

Núbia Gruber, de 40 anos, veio com sua família do RJ quando tinha 7 anos. Na sua adolescência, interrompeu os estudos duas vezes. Começou estudar aos 11 anos, mas logo teve dificuldades porque precisava trabalhar e ajudar a família, além de que a diferença de idade com seus pares dificultava a interação social. Depois, aos 15, estava estudando e ficou grávida, precisou interromper os estudos para dar conta da maternidade.

O Eja apareceu como possibilidade de retomar algo que havia ficado em seu passado, sempre valorizando e desejando uma vida melhor para seus filhos no futuro, apoiando a educação formal deles… Muitas possibilidades e planos passaram a surgir para Núbia na medida que retornou à escola, dando um respiro na sua vida apesar de seguir batalhando, trabalhando todos os dias, estudando à noite, querendo realizar cursos na área da pedagogia para qualificar um trabalho com crianças, fazer a Carteira de Habilitação.

Enfrentando alguns problemas de saúde e as dificuldades habituais de pessoas trabalhadoras, esse novo momento estava inspirando coisas interessantes na vida dela e da família. Porém:

Agora a gente tem esse medo de não poder concluir os nossos estudos; não saber se a gente vai poder voltar para escola, fica essa frustração, estão cortando sonhos pela metade…Esse ônibus que eles vão oferecer, pra mim não teria como, porque tenho uma carteira da escola que me libera para sair 15 minutos antes, pra que eu possa pegar um ônibus para casa, pois já uso ônibus para acessar a escola atual. Não conseguiria mais pegar meu ônibus para casa. Teria que pegar dois ônibus, um com horário bem espaçado. Na situação atual chego às 22:40 em casa; nesse formato proposto, chego depois da meia-noite. Eu e meus colegas estamos muito tristes se a turma acabar…Vivemos realidades diferentes: uns tem carro; outros moram perto da escola; outros tem problemas mais sérios de saúde; uns vêm de Porto Alegre do trabalho e param ali..Aí a gente pergunta, onde fica a equidade, que é um direito nosso: escolher a escola que fica próxima da nossa casa ou que fique mais viável pra que a gente chegue até ela.

Importante sublinhar a palavra de Núbia, equidade. Esse é um conceito que garante que cada pessoa tem suas singularidades – é unica e tem necessidades e particularidades pessoais, e isso deve ser levado em conta na discussão sobre igualdade, e justa promoção de políticas de educação, saúde, assistência social e habitação, por exemplo.

A assessoria de imprensa e comunicação da Prefeitura de Cachoeirinha foi procurada e nos enviou uma nota a respeito (clique aqui para acesso na íntegra). Em resumo, a nota informa que neste ano não ocorreu o fechamento de turmas do EJA; que caso as turmas não fechem o mínimo de 20 pessoas eles ofertarão transporte para as turmas remanescentes de outros bairros; e destacam a modalidade híbrida da EMEF Zanchetta que seria, em tese, algo que facilitaria. Além disso, a prefeitura destaca que está comprometida em dialogar com profissionais da educação.

Os relatos que tivemos de pessoas que estudam e tem interesse nas turmas do EJA é de que o argumento da prefeitura não está sendo favorável às restrições de deslocamento, o empecilho que coloca às pessoas que trabalham o dia todo e precisarão estudar mais longe de casa à noite, às singularidades de pessoas que tenham eventuais dificuldades no modelo de ensino à distância e outras dificuldades para sair do seu território atual para estudar. Ademais, não responde aos argumentos técnicos de pessoas trabalhadoras que atuam no EJA há anos e percebem as dificuldades que essa nova distribuição apresenta ao acesso. No entanto, todos parecem ter a expectativa de que isso seja escutado pela Prefeitura de Cachoeirinha, e outras saídas possíveis possam ser construídas.

Foto de capa: a foto foi disponilizada por trabalhadores envolvidos junto ao EJA e trata de uma mobilização  no MP de profissionais e estudantes ocorrida anteriomente ao fato, servindo de ilustração de mobilizações no município.

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