Trabalhadoras e trabalhadores de transporte sofrem retaliação após greve Uberlândia (MG)

Matéria escrita em parceria com a Teia dos Povos.

Sofrendo demissões, falta de salário integral, e já em situação de insegurança alimentar, trabalhadoras e trabalhadores do transporte público do município de Uberlândia, em Minas Gerais, deflagraram uma greve desde o dia 5 de março. Além da remuneração e reintegração de demitidos, o grupo também reivindica a liberação dos vales-alimentação e cestas básicas, além de retorno dos convênios de saúde que também foram suspensos pelas empresas em meio à pandemia do Coronavírus no país.

Antes da retirada concreta dos direitos, as empresas privadas de transporte já iniciaram os abusos psicológicos, a partir de ameaças de parcelamento de salários, cortes de benefícios, segundo relatos da categoria. A situação ainda se somava às condições de trabalho precárias, com falta de estrutura e condições sanitárias nos veículos. Enquanto isso, a categoria registra o aumento nos contágios, culminando na morte de 16 motoristas por Covid-19.

Segundo relatos de trabalhadoras e trabalhadores, após as práticas de assédio e salário atrasado, as empresas decidiram parcelar os salários alegando que a redução no número de passageiros impactou a capacidade de remunerar os funcionários. Diante das condições extremas, a greve foi deflagrada no dia 5 de março, quando motoristas fecharam alguns terminais na cidade durante a mobilização. Em retaliação, as empresas demitiram mais de cem trabalhadoras e trabalhadores alegando justa causa em decorrência da paralisação. Houve ainda a prisão temporária de um motorista.

Participando ativamente da mobilização em rede de solidariedade, o militante da Teia dos Povos, Arthur de Melo Sá, apresenta em matéria da Teia dos Povos os nomes das empresas que vem investindo contra as categorias – todas elas pertencentes a famílias oligárquicas locais, e articuladas com o poder estatal. Só a família Carvalho e Duarte controla, segundo os dados levantados pelo movimento, as empresas São Miguel, Viação Carmo Sion e Expresso Rodoviário 1001, Autotrans e Saritur. Já a família Gulin tem o controle sobre a empresa Sorriso de Minas.

“Os ataques do estado vêm, como de costume, embalados em neoliberalismo: sucateamento de serviços públicos, descaso com a vida e a saúde de trabalhadores e trabalhadoras, inclusive de serviços essenciais, como motoristas. Desde o início da pandemia, a prefeitura autorizou a redução do número de ônibus em Uberlândia. A desculpa era que o número de passageiros seria menor, devido às (inúteis) medidas de restrição. O resultado: maior taxa de ocupação dos ônibus, maior disseminação do vírus e nenhum cuidado com a saúde de trabalhadoras e trabalhadores. Até o momento já faleceram 16 motoristas, e o estado não se moveu para cuidar das famílias”, apresentou Sá, no texto que você pode conferir clicando aqui.

Comunicado das empresas sobre atraso e parcelamento de salários ensejou revolta de trabalhadores. Crédito: Teia dos Povos

Em uma mesa-redonda realizada na Câmara Municipal, a ex-motorista de ônibus da empresa São Miguel , Kamilla Matias, relatou como foi ter sido demitida com alegação de justa causa, mesmo tendo seu salário atrasado e parcelado em três vezes. Mãe e recém-desempregada, a trabalhadora não recebia vale-transporte ou sequer cesta de alimentação, atingindo condição de insegurança alimentar em razão da retirada de direitos básicos por parte da empresa.

“Passei pelo desligamento da empresa, por ter entrado no movimento de greve ao não ter recebido o salário em dia. No dia do pagamento, a empresa mandou para a gente uma mensagem dizendo que iria parcelar o pagamento em três vezes. Foi uma surpresa para mim, depois de mais de seis anos de trabalho duro, vestindo a camisa da empresa. Por ser mulher, não era fácil, mas eu amava o trabalho. Foi muito difícil sair desse jeito, mas não falo que a luta não valeu a pena. Valeu sim porque a gente estava lutando pelos nossos direitos”, relatou Kamilla.

Postura do sindicato

Não bastasse o enfrentamento contra as empresas de transporte, a categoria também relata ter lidado com a ausência de apoio da própria direção do sindicato. No primeiro momento, o grupo já havia identificado um imobilismo por parte dos dirigentes, que se recusavam a organizar e mobilizar a categoria para a greve. Inconformada e com as condições ainda mais extremas de trabalho, o grupo iniciou a mobilização espontânea. A resposta do diretor do presidente do sindicato, Marcio Dúlio de Oliveira, foi confrontar os próprios trabalhadores.

Imagem demonstra postura de dirigente sindical no início da greve. Crédito: Teia dos Povos

“Márcio Dúlio se opôs desde o início à greve, inflamando a população contra as trabalhadoras e os trabalhadores, declarando na grande mídia que a greve seria “ilegal” e insistindo que haveriam “interesses políticos” por parte de grevistas. A partir daí as empresas se sentiram livres para poder atacar, demitindo as pessoas que estavam em greve que identificavam como “lideranças” – ao todo foram mais de 120 demissões, dentre as quais boa parte foi revertida antes da formalização, restando ainda 29 já formalizadas”, relatou um dos integrantes da mobilização e militante da Teia dos Povos, Arthur de Melo Sá.

Segundo o militante, apenas no dia 11 de março, o sindicato teria anunciado o início da greve, reunindo todas as pautas já apresentadas, mas sem a reintegração dos 29. “Trocando em miúdos: o SINTTRURB deixou grevistas sindicalizados passarem fome”, concluiu.

 
Frente de solidariedade

Sem contar com a direção do sindicato, ou com a própria Central Única dos Trabalhadores (CUT), a categoria vem recebendo apoio de uma rede solidariedade composta por diversos coletivos e entidades. Segundo informações da Teia dos Povos, que vem participando dessa articulação de solidariedade, até mesmo a população vem se engajando para dar um suporte ao grupo grevista.

São diversos grupos, ainda, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Central de Movimentos Populares do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (CMP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições Federais de Ensino Superior de Uberlândia (SINTET), o Coletivo dos Atingidos pelo Coronavírus em Uberlândia, movimentos estudantis, além de personalidades locais.

A frente de solidariedade vem garantindo a distribuição de cestas básicas para as famílias, e dando um reforço nas ações de apoio mútuo e de endossamento da mobilização. As ações sociais vêm visibilizando ainda mais as relações entre campo e cidade, em razão das cozinhas comunitárias organizadas por MTST, CMP, CPT e assentamentos do próprio MST.