Projeto Cultural Benjamin Filho tem despejo adiado, mas ocupação segue necessitando de ajuda para ampliar a luta por moradia digna.
Na última quarta-feira (20), a Ocupação e Projeto Cultural Benjamin Filho, aliando o trabalho jurídico da Frente Internacionalista dos Sem Teto (FIST), junto à uma intensa mobilização nas redes sociais, que pressionaram o Judiciário, conseguiu suspender o despejo que estava marcado para o próximo dia 26.
A ocupação, localizada na Avenida República do Paraguai, nº 1, no centro do Rio de Janeiro, é organizada e composta majoritariamente por mulheres negras, acolhendo inclusive mulheres trans. Trata-se de uma iniciativa popular e autônoma, com cerca de 8 crianças moradoras e mais de 20 crianças que comem e estudam cotidianamente na ocupação por meio dos projetos sociais que esta desenvolve.
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O prédio em questão era um antigo reformatório para crianças e adolescentes, conhecido como “Centro de Recepção de Crianças e Adolescente Taiguara”, que foi desativado após ter sido alvo de inquérito policial a cargo da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), sob acusações de maus-tratos e torturas de menores. Desde então, espaço se encontrava abandonado pelo poder público.
No sentido oposto do que o DCAV irresponsavelmente proporcionava à juventude, a Ocupação Benjamin Filho tem desenvolvido projetos sociais voltados para crianças, não apenas àquelas que residem na ocupação, mas também à comunidade do entorno. Diante da iminente necessidade de proteção sociocultural para suas crianças, oferecendo-lhes atividades culturais que as acolhessem e fomentassem seu desenvolvimento, as mães que são moradoras do espaço se organizaram e deram início ao Projeto Cultural Menino Benjamin Filho (nomeado em homenagem ao menino Benjamin Filho, morto durante uma operação policial na comunidade do Alemão em 2018).
Através de seus projetos, mais de 40 crianças e adolescentes em vulnerabilidade social são acolhidas e alimentadas dignamente 4 vezes ao dia. Além de protagonizarem uma experiência autônoma, horizontal e completamente voltada para uma educação libertária e amorosa. “Nós transformamos um antigo local de dor e sofrimento, abandonado pelo poder público, em um centro de acolho e esperança para nossas crianças”, conta Tia Kellyinha, uma das criadoras do projeto.
Os despejos na pandemia e a resistência popular
A ameaça de despejo sofrida pela Ocupação Benjamin Filho não é nem de longe um caso isolado. A própria foi acrescida de moradoras advindas da Ocupação da Casa Cruz, despejada no ano passado em meio à pandemia que tomou o país.
Segundo sistematização do grupo de trabalho de monitoramento da Campanha Nacional pelo Despejo Zero, em 2020 mais de seis mil famílias foram removidas e mais de cinquenta mil estão ameaçadas de remoção pela Justiça em todo país. A campanha pelo fim dos despejos durante a pandemia é uma articulação de movimentos, entidades, coletivos e instituições acadêmicas e vem monitorando ações de remoções de norte a sul do Brasil. Fruto das denúncias feitas pela campanha, 13 ações de remoções em massa já foram suspensas.
No Rio de Janeiro, graças a toda a mobilização e solidariedade, junto à ação dedicada do corpo jurídico da FIST, a comissão de direitos humanos da OAB e a intermediação do Cardeal Orani, conseguimos suspender no mês passado o despejo da ocupação Antônio Louro, localizada no centro da cidade.
É importante lembrarmos o que significa a realização de um despejo em meio ao crescimento da segunda onda da pandemia do coronavírus no Brasil. Além de desabrigar famílias que precisam de um teto para sobreviver, ainda coloca suas vidas em profundo risco, uma vez que a pandemia no Rio de Janeiro hoje coloca nosso povo em uma situação alarmante: leitos ocupados e milhares de mortes. Porém, a justiça continua autorizando que famílias sejam postas na rua mesmo nesse cenário.
Despejos durante a pandemia
Nesse contexto alarmante, o desembargador Ferdinaldo do Nascimento, da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu, no mês passado, a Lei Estadual nº 9.020, que impedia o cumprimento de mandados de reintegração de posse, imissão na posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais durante a pandemia de Coronavírus. A representação de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, foi apresentada pela Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ) no dia 11 de dezembro.
Vetada integralmente pelo governo do Estado, a lei foi promulgada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) em 25 de setembro. A norma paralisava, ainda, a aplicação e cobrança de multas contratuais e juros de mora em casos de não pagamento de aluguel ou das prestações de quitação dos imóveis residenciais, mediante comprovação do estado de necessidade do devedor, decorrente do estado de calamidade pública.
A lei já voltou a vigorar. A Defensoria Pública do RJ entrou com Reclamação no STF e o Juiz Lewandowski deferiu liminar sustando a Decisão d TJRJ, fazendo com a lei voltasse a vigorar, ainda no final do ano passado. No entanto, como toda lei que protege os de baixo, ela não vem sendo cumprida.
Dessa forma, fica nítido o papel do sistema judiciário contra a vida daqueles que mais precisam de apoio por parte do setor público. Inclusive quem move a ação é o próprio Governo do Estado, cujo o próprio governador encontra-se afastado por estar sendo investigado.
Assim, todo o despejo de famílias que não possuem seu direito à moradia é um crime, um terrorismo por parte do Estado. Mas em um momento como esse, é ainda um assassinato, um atentado à vida das pessoas.
Projeto Cultural Benjamin Filho pede apoio
Ainda que o despejo dessa próxima semana tenha sido suspenso, a Ocupação Benjamin Filho – assim como muitas outras – continua necessitando de apoio. Queremos o fim de todos os despejos! A propriedade sem função social não deve prevalecer diante do direito de moradia do povo!
Diversos movimentos se organizaram para desenvolver ações de solidariedade para enfrentar esse cenário de pandemia e crise econômica, pois sabemos que o parco auxílio emergencial, que ainda está sendo cortado pela metade agora, não foi suficiente para garantir uma vida digna para a maior parte das trabalhadoras e trabalhadores mais pobres.
Na Ocupação Benjamin Filho não tem sido diferente. O espaço tem recebido doações diversas para seus moradores e seus projetos sociais. Ajude a manter essa ocupação viva, apoie e ajude seus projetos, além de divulgar suas ações e mobilizar contra as próximas tentativas de despejo.
* Texto do Movimento de Organização de Base – RJ