Vacina fabricada na Índia, sem testes no Brasil, desperta o interesse de clínicas privadas em vender 5 milhões de doses. O que isso significa em um Brasil devastado pela pandemia e completamente abandonado à deriva pelo governo nacional?
Foi noticiado neste domingo que clínicas particulares poderão “contribuir” com a campanha de vacinação no Brasil. O preço dessas doses não se sabe, ou não foi anunciado. Algumas dessas clínicas tão solidárias, por meio da Associação Brasileira de Clínicas e Vacinas (ABCVAC), enviaram um pedido para a ANVISA avaliar a possibilidade de aprovar provisoriamente a Covaxin, de produção indiana e cujo nome é bastante meigo se lido em “brasileirês”. Na ocasião do pedido justificaram que o interesse é se unir contra a pandemia, vacinando os trabalhadores que precisam voltar aos seus postos presenciais. O pedido teve aceite da ANVISA confirmando que é viável a vacinação via clínica particular a partir do momento em que o SUS estiver com excedente de vacinas. Sem mais delongas, já se estima cerca de 5 milhões de vacinas vindas da Índia, mesmo sem ter sido testada no Brasil e nem conter dados enviados em fluxo contínuo à ANVISA. Porém, a Covaxin recebeu aprovação emergencial das autoridades da Índia no último sábado.
O jornalismo brasileiro se dedicou a comentar apenas esse último fator, qual seja, a pressa na aprovação da vacina. É claro que o imunizante perde credibilidade ao passo que não segue o protocolo padrão de testes, saltando com celeridade as fases 1 e 2 e aprovando a produção sem iniciar a fase 3. Inclusive, quanto a isso, o setor privado, na figura do presidente da ABCVAC anuncia em nota oficial de ir amanhã (05) para Índia conferir os procedimentos adotados pelo laboratório Bharat Biotech. Mas o caso da Covaxin no Brasil é além disso. Como assim vamos vender vacinas? E, supondo eficácia da vacina indiana, como assim os lotes e estoques serão comprados por clínicas/empresas do ramo da saúde?
Considerando que não temos uma coordenação nacional unificada para o início de uma campanha de vacinação, tanto por falta de insumos, quanto por falta de logística, levanto a dúvida de como é que serão os ritos e processos para obtenção de uma vacina na rede particular? Mais que isso: é possível dizer que a não coordenação por parte do poder público e o efeito Bolsonaro favorece o setor privado, deixando-o atuar sem critérios mínimos decididos pelos representantes do povo – é por isso que não se deve acreditar que são representantes do povo.
Segundo nossa mídia brasileira e a ABCVAC, o pedido de 5 milhões de doses das clínicas privadas não interfere o montante total do pedido do governo, pois se trata de um pedido adicional, separado. Porém, isso só faz sentido em um sistema fechado Brasil – Índia, mas a realidade é outra, a demanda por vacina não se resume a nós, a pandemia é global e não existe excedente de vacinas no mundo. Será que o mercado internacional distingue os ricos que podem pagar pela cura de um país X dos ricos que podem pagar pela cura de um país Y? Ainda que a resposta seja afirmativa, a disposição do laboratório indiano em vender suas doses demonstra que este não é o caso.
Estima-se que em março as clínicas particulares associadas podem iniciar a vacinação. O planejamento da ABCVAC indica que as doses serão compradas em fevereiro, conforme o andamento de produção e vacinação na Índia, em seguida as doses compradas serão transportadas para o Brasil e para cada clínica e, então, armazenadas – neste caso, diferente da Pfizer, não há necessidade da super-refrigeração de -70° – até meio de março, quando poderão começar a injetar a doses nas veias das pessoas mediante a injeção de dinheiro em seus bolsos. Como já foi colocado, ainda não se disse nada sobre o preço, mas esse planejamento conta com um altíssimo custo que deve ser superado por um altíssimo lucro. Ora, clínica de vacinação particular é uma empresa privada de vacinação, então parece uma razão mais plausível que a solidariedade expressa nos pedidos para aprovação da Covaxin pela ANVISA. Além disso, não é razoável que se tenha feitos acordos, reservas de pedidos e divulgação na mídia sem que se tenha feito alguma estimativa orçamentária, com cenários positivos e negativos.
Dessa história, é possível que algumas pessoas avaliem positivamente o fato de que empresas privadas possam executar a vacinação, pois aceleraria a campanha. Este texto não quer entrar nesse mérito. Mas o fato por trás do fato do pedido de compra é que: 1) há condições materiais no Brasil de recebimento de quantidades adicionais de doses que poderiam ser coordenadas pelo poder público como requisição dessas clínicas, pelo menos, provisoriamente; 2) que o empreendimento é suficientemente caro para prever que as camadas mais pobres e vulneráveis da população não terão acesso; 3) que é possível que nacionalmente os ricos e burgueses já estejam vacinados até o fim do ano, com a compra de mais lotes de doses pelo setor privado de saúde, conforme sucesso de vacinação destas primeiras 5 milhões, enquanto que as previsões para vacinação de todos os brasileiros gira em torno de 16 meses – ainda sem expectativa de início!
Texto de opinião de autoria de Rafael Tavares Dias, graduando em filosofia na UNESP e militante da Resistência Popular Estudantil – Núcleo de Marília
Disperta???
Agradecemos pelo aviso, corrigimos no texto!