Por Autonomia e Luta – tendência sindical de Mato Grosso
Mais de quinze dias passados desde o início do Ensino Remoto em Mato Grosso e a realidade comprova elementos já apontados há meses pelo conjunto de trabalhadores da Educação, familiares, estudantes, sindicatos e movimentos. O Ensino Remoto é a precarização de uma educação que já vem sendo precarizada há anos por governos que se sucederam no poder, constituindo um ensino extremamente excludente.
Por anos e anos, os governos de Mato Grosso e a Secretaria de Educação do estado de Mato Grosso (SEDUC/MT) deixaram as escolas entregues ao sucateamento – os equipamentos tecnológicos que chegavam nas escolas eram, muitas vezes, equipamentos já ultrapassados ou que demoravam muito tempo para a devida adequação elétrica das escolas para que os equipamentos pudessem estar em funcionamento para os alunos. Em sua maioria, as escolas não recebem nenhum investimento em tecnologia ou ferramentas tecnológicas voltadas ao ensino. Por anos e anos, não investiram em projetos pedagógicos que possibilitassem o uso da tecnologia. Nos últimos dez anos, ou mais, o maior projeto dos governos de turno e da Secretaria de Educação tem sido o extermínio por completo da função de técnico administrativo dedicado às salas de informáticas que: a) ou foram fechadas pela falta de profissionais específicos; b) ou fecharam por falta de investimento adequado para a manutenção e organização de tal espaço; ou, ainda, c) por existir equipamentos extremamente ultrapassados e cujo a manutenção gera mais gastos para a Unidade Escolar, que já não recebe o devido investimento. Quanto ao trabalho de professoras/es, a SEDUC/MT nunca trabalhou com a possibilidade de formações à distância ou reconhecimento de trabalhos que não fossem restritos ao físico da escola. Hora atividade e formação continuada só eram reconhecidas se realizadas presencialmente. Nenhuma cultura de trabalho pedagógico foi construída junto à comunidade escolar, sendo agora imposto de forma vertical e com caráter de vigilância e sobrecarga.
Agora, em menos de um mês, obrigam professores/as e estudantes a se virarem sozinhos para dar conta de uma série de ações para o estabelecimento do Ensino Remoto.
Para professoras/es, baixaram de cima para baixo, sem nenhum diálogo com a categoria, um turbilhão de normativas, portarias, notas técnicas, orientativos etc. Em nenhum momento ocorreu qualquer diálogo com a categoria, que tem sido ignorada e tratada como invisível. Quando o governo optou pela Aprendizagem Conectada, profissionais da Educação ficaram sabendo pela imprensa, demorando dias para que viessem a ser comunicados sobre seu papel no processo. Ao se adotar o Ensino Remoto, o comportamento se repetiu e acrescentado de uma grande agressividade nos discursos proferidos na mídia pela secretária de Educação, Marioneide, e pelo governador. Em uma das entrevistas, a secretária de Educação, inclusive, divulga número incitando denúncias genéricas contra professores – sem maiores informações concretas, tais denúncias podem ganhar qualquer teor ou alcance. O governo Mauro Mendes e a Seduc/MT têm tratado a categoria da Educação com desrespeito e imposto uma série de punições, que explicitam ser motivadas pela forte e determinada greve deflagrada no ano de 2019. Punições arbitrárias!
Professores/as contratados/as, que, até então, estavam há mais de 6 meses sem salário e sobrevivendo através da solidariedade e/ou se arriscando em serviços informais para manter ao menos comida em suas casas, tiveram de se virar para dar conta de todo o turbilhão já em andamento, de uma hora para outra, muitos com contratos ainda sem formalização. Com a aproximação do período eleitoral, professores/as que iniciaram as funções no decorrer das aulas remotas já voltam a sofrer com a informação de que não serão atribuídos e, com isso, voltam ao limbo da falta de salário e auxílio emergencial – aprovado pela Assembleia Legislativa, derrubando veto do Governo de Mato Grosso.
É importante lembrar, também, que os demais trabalhadores/as do Apoio Administrativo, com o processo da retomada das aulas em formato remoto, centenas continuam sem nenhum suporte e seguem sem salários e, também, sem auxílio emergencial.
Documentos e mais documentos para ler, tutoriais e mais tutoriais, lives, plataforma, planejamento, construção de apostila, ensinar alunas/os a se cadastrar e usar plataforma, alimentar plataforma, atender alunas/os e família pelo WhatsApp e plataforma – inclusive, em horários inapropriados, fazer registros em diários, oscilação de sistema e da internet, aumento arbitrário da carga horária semanal de trabalho em mais de 5 horas etc. Tudo isso sob uma forte pressão e vigilantismo virtual de gestões escolares e Seduc/MT e sem informações suficientes. A sobrecarga de trabalho das/os profissionais da Educação é extrema no Ensino Remoto. Isso somado ao trabalho em casa, com crianças em período integral em seus domicílios, com cuidados com familiares, com falta de estrutura para fazer de sua casa um ambiente de trabalho. Isso somado ao fato de que mais da metade da categoria é formada por mulheres, que já enfrentam a sobrecarga do trabalho doméstico.
Toda uma sobrecarga de trabalho somada ao congelamento de nossos salários (precarização da nossa carreira), temos de gastar nossa própria energia elétrica, equipamentos tecnológicos próprios, aquisição de novos equipamentos para darmos conta do exigido pela atual dinâmica de trabalho… o custo de vida, de sobrevivência, cada dia mais caro e nossos direitos salariais sendo desrespeitados pelo Governo de Mato Grosso – sem RGA e sem Lei 510/2013. Enquanto trabalhadores/as do Tribunal de Contas do Estado de MT recebem auxílio para aquisição de livros, nós da Educação Pública temos nossos direitos salariais negados e nenhum suporte/auxílio para o devido aprimoramento de nossa função profissional!
Se a condição das/os professoras/es é de dificuldade, as condições impostas a estudantes não são muito diferentes. Estão obrigados a se virarem para usar uma plataforma (TEAMS) pesada e que exige internet boa para funcionar. A plataforma pesa, a internet é de dados nos celulares, e a aula se torna um peso, precarizada. Muitos abandonam o virtual para buscar a apostila nas escolas. Contudo, aprender pela apostila em casa não ocorre de modo tranquilo também. Familiares trabalham e têm seus afazeres. Profissionais da Educação não podem assessorar 24 horas por dia. E, ainda que profissionais da Educação estejam se esforçando para ofertar o atendimento online pelo WhatsApp, muitos dos conteúdos e atividades exigiriam um acompanhamento presencial. Quem sempre está no chão da sala de aula, no fazer pedagógico do espaço escolar físico, sabe bem que existe uma dimensão da Educação que nunca será suprida à distância. Chega a ser crueldade exigir que estudantes, a maioria esmagadora sem computador em casa, cumpram atividades pelo celular; sabemos que não é assim que a Educação funciona. Uma coisa é a criança e a/o adolescente usar o celular para ver vídeos de entretenimento, jogar jogos, acessar redes sociais ou conteúdo de seu interesse; outra coisa é exigir que estudem pelo celular, que leiam textos, vejam vídeos didáticos, preencham atividades etc. Se o fizerem por esforço, ainda assim a qualidade desse ensino não condiz com o necessário. Certamente, essas crianças e adolescentes estão enfrentando o estresse, a ansiedade e o sentimento de impotência; também elas estão sobrecarregadas com atividades e esforço para compreender uma série de demandas baixadas pela Secretaria de Educação.
Também nessa condição de precisar lidar com uma situação adversa, familiares enfrentam o desafio de trabalhar, organizar a vida domiciliar e, ainda, acompanhar filhas e filhos no Ensino Remoto. Lidam com uma plataforma que nunca tiveram acesso ou com conteúdos com os quais não têm afinidade. Sem estrutura em casa, precisam se virar para colocar a criançada para estudar e cumprir outras funções. Tentando organizar a vida pessoal com uma enxurrada de mensagens e listas de presença a serem respondidas aos professores – isso tem sido algo muito frequente na rede municipal de Cuiabá, por exemplo.
Por último, a SEDUC/MT ainda impôs nesta última semana a aplicação de uma avaliação diagnóstica para os alunos. As aulas remotas começaram a pouco tempo, a interação entre estudantes e professoras/es mal se construiu. A exigência de avaliação diagnóstica, seja simples, seja mais complexa, constitui um desrespeito com estudantes e familiares, que precisarão somar mais uma preocupação as demais. É improdutiva porque não representa um diagnóstico real, mas sim mera formalização burocrática. Ignora a realidade de dificuldades de professoras/es, estudantes e familiares. Nessa realidade, avaliações, fiscalizações rígidas de cumprimento de “tarefas” e encher estudantes de atividades não levarão a resultados qualitativos.
Tudo isso somado à condição já tensa da pandemia. Muitas/os professoras/es, estudantes e seus familiares estão lidando com a COVID-19 dentro de seus lares, seja porque estão acometidos pela doença, seja porque estão nos cuidados dos seus.
As tensões entre professoras/es, estudantes e famílias podem crescer nesse processo. Com uma sobrecarga sobre os ombros de todas/os essas/es sujeitos no Ensino Remoto, pode acontecer de um culpar ao outro, dividindo-nos. Nós profissionais da Educação, estudantes e familiares compomos uma unidade que faz a Educação pública acontecer. A divisão causada pela culpabilização – vinda da tensão do estresse e sobrecarga de todas e todos – só serve aos governos (municipal, estadual, federal), para que a responsabilidade seja retirada da gestão pública e colocada sobre nossos ombros. Enquanto isso, governos fazem propaganda de que cumprem com o compromisso com a Educação, enganando a população.
Precisamos compreender que a responsabilidade pelo Ensino Remoto é da Secretaria de Educação e governo do estado. Em geral, governantes de todas as esferas (municipal, estadual, federal) adotaram o Ensino Remoto à revelia dos sujeitos desse processo, não dialogando com profissionais da Educação, estudantes ou familiares. O Estado decidiu sozinho e autoritariamente sobre uma realidade que afeta diretamente as famílias de nossas/os estudantes. A implementação do Ensino Remoto constitui uma arbitrariedade extremamente unilateral. A decisão não deveria ser do Estado sozinho, mas sim das famílias, estudantes e profissionais sujeitos no processo.
Ignoraram um cenário de adoecimento, tensão psicológica e mortes, provocado pela COVID-19. Ignoraram que o Ensino Remoto gera sobrecarga nesse cenário já pesado e que constitui um ensino precarizado e excludente – principalmente por, também, não darem a devida preocupação com as/os alunas/os especiais e com os do ensino EJA/CEJA. Optaram pelo Ensino Remota para criar uma falsa normalidade, dissimulada e distorcida. O “novo normal” que querem nos vender não é mais que um falseamento da realidade, pois ignoram a realidade concreta das milhares de famílias que vivem uma dinâmica completamente distinta da maioria das famílias que possuem um conjunto tecnológico, cultural e econômico e que estão nas escolas privadas de ensino.
A tecnologia voltada para a Educação deve ser acessada pelas escolas públicas, com investimento financeiro e desenvolvimentos de projetos pedagógicos. Contudo, qualquer tecnologia ou uso de atividades à distância deve ser em favor da Educação, estando sob domínio dos interesses dos estudantes e da população. A tecnologia pode ser usada como instrumento educacional, o que ela não pode é substituir a escola e seu papel educacional. A tecnologia não pode ser utilizada como se vivêssemos em uma realidade igualitária de aquisição e acesso por todos, a tecnologia não pode ser imposta como se a consciência e a cultura sobre o uso fossem iguais para todas as famílias e estudantes.
É preciso pensarmos a construção de uma outra forma de Educação neste momento de pandemia, mas uma construção que contemple os interesses do povo, filhas e filhos de trabalhadoras/es. É preciso pensar para além de calendário letivo, não é mais possível cumprir calendário nas condições em que estamos nós todas/os (profissionais, estudantes e familiares). Uma construção que esteja para além de apenas manter as obrigações burocráticas e normatizações. Uma construção que esteja ligada à nossa realidade concreta.
Trabalhadoras/es da Educação, o sindicato da categoria (SINTEP MT), estudantes e familiares precisam se unir para denunciar os desmandos e o desmonte da educação realizados pelo governo Mauro Mendes e SEDUC/MT. Precisam se unir por uma educação digna para o povo mato-grossense!
Leia o Boletim Sindical, do Autonomia e Luta, aqui: Boletim 01-2020