Em carta aberta à direção e ao público, Coletivo de Trabalhadoras/es do Sesc paulista relatam incertezas e denunciam privilégios de altos cargos
Com o corte de 50% no Sistema S pelos próximos três meses, anunciado pelo governo Bolsonaro, trabalhadoras e trabalhadores dos serviços em todo o Brasil convivem com a incerteza. No estado de São Paulo, o Coletivo de Trabalhadoras/es do Sesc/SP divulgou nesta semana uma carta aberta, em que exige transparência da direção, e as devidas garantias para que não paguem pela crise.
Leia a carta na íntegra (versão em pdf):
Carta aberta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Sesc.
Coletivo de Trabalhadoras/es do Sesc/SP
Este documento foi criado para abrirmos o diálogo com todas categorias de funcionários do Sesc, direção e público frequentador. Acreditamos que no momento que vivemos é necessário expor nossas críticas e propostas.
Em dezembro de 2019, foi identificado, na China, um novo coronavírus que recebeu o nome de SARS-CoV-2 e que causa a doença COVID-19. Coronavírus é o nome de um grupo de vírus que causam infecções respiratórias e que já são conhecidos há algumas décadas. A pandemia causada pelo SARS-CoV-2 foi decretada no dia 11 de março deste ano pela OMS (Organização Mundial da Saúde) após avaliações baseadas em pesquisas científicas e principalmente pelas mortes no mundo todo e em grande escala, o que levou ao colapso do sistema de saúde de vários países. Vivemos um momento de calamidade sem precedentes na história da humanidade, em todos os continentes tem relatos do avanço do SARS-CoV-2.
No Brasil as medidas começaram a ser tomadas no final da primeira semana de março e há vários problemas neste processo inicial, principalmente relacionados ao governo federal. O presidente Bolsonaro, seus ministros e seguidores inveterados, intensificaram o colapso e deixaram claro que não possuem nenhuma preocupação com a vida da classe trabalhadora. Um exemplo disso são as várias Medidas Provisórias (números 924, 927, 932 e 936) editadas pela equipe presidencial que somente beneficiam os empresários, comprometendo o rendimento das famílias e sua subsistência, indo contra a manutenção do isolamento social fazendo com que as pessoas sejam estimuladas a trabalhar diante da insegurança de manutenção de seus empregos, comprometendo o combate à pandemia no país e colocando a vida da classe trabalhadora e de toda a população no geral em risco. Medidas que levam as trabalhadoras e os trabalhadores para dois caminhos mortíferos, ou seja, ficar doente com a contaminação do SARS-CoV-2 ou aumentar a miséria com o desemprego e corte de salários. Este cenário torna iminente a volta da mortalidade causada por fome em todo país.
O cenário só não está pior devido às medidas tomadas pela maioria dos governadores estaduais ao decretar quarentena que diminuem contatos sociais, mas não podemos ser ingênuos. Esses são os mesmos governadores que até ontem sucateavam os serviços de saúde pública. É preciso pôr o pé no chão e avaliar seus interesses políticos eleitoreiros, estar atentos e ver a situação dos trabalhadores dos chamados setores essenciais como saúde, alimentação e transporte considerando que há tempos, mas principalmente hoje, as condições de trabalho e remuneração para essas categorias são demasiadas precária e desvalorizada.
O corte no Sistema S
O desgoverno de Jair Bolsonaro aproveita esse momento de instabilidade para cortar 50% da verba do Sistema S por três meses através da Medida Provisória 932. Este corte traz a possibilidade de mais desemprego, e no caso do Sesc, gera também o fim de vários trabalhos culturais e de formação para os trabalhadores do comércio, serviços e turismo. O Sesc também abriga diversos trabalhos sociais que em certa medida suprem a carência de equipamentos sociais e culturais por parte do estado. A instituição também é hoje um dos maiores financiadores da cultura nacional e que vai ser obrigado a diminuir a contratação de artistas, artesãos, oficineiros, educadores entre outros.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), entidade patronal que administra o Sesc e o Senac, fez uma série de contrapropostas a esse corte. O Sesc/SP colocou suas unidades a disposição da prefeitura e do governo do estado para vacinação e instalação de leitos, também se dispôs a disponibilizar a estrutura do programa de redistribuição de alimentos conhecido como Mesa Brasil. No entanto as trabalhadoras e trabalhadores pouco sabem das decisões da empresa, sendo informados sobre o fechamento de unidades e sobre estas ações que podem romper a quarentena de alguns apenas pela imprensa. Também não sabemos até quando nossa quarentena será mantida e não existe nenhum canal de comunicação com a grande maioria, apenas nos níveis hierárquicos superiores. Em um momento onde nossas vidas e de nossos familiares podem ser impactadas com doença e morte a transparência é o mínimo que exigimos.
É importante considerar que o isolamento social é a única forma 100% segura de evitar a infecção pelo SARS-CoV-2 e sua consequente proliferação e abalos econômico e social. Por se tratar de um novo vírus toda informação a seu respeito está sob análise e validação da comunidade científica internacional, portanto é importante saber que protocolos de segurança do trabalho podem diminuir e mitigar sua expansão temporariamente, já que a cada dia os mesmos precisam ser atualizados considerando avanços nas pesquisas que estão em curso.
O vírus pode permanecer ativo durante 3 horas em suspensão no ar, por conta do bioaerossol proveniente da respiração, fala, tosse ou espirro e em superfícies não higienizadas – como embalagens de alimentos – por até 72h (em plástico e inox) ou 24h (no papelão). Superfícies que foram contaminadas por portadores do vírus podem então ser mais uma fonte de disseminação. Portanto a higienização pessoal, a sanitização correta e atenta dos espaços e o maximização do isolamento social são as melhores armas de combate.
Apesar de entendermos que o Sesc tem uma relevância no trabalho que exerce na atual sociedade brasileira não podemos esquecer que o mesmo, junto ao Sistema S possui uma série de problemas. Fundado em 1946 por um pacto entre empresários e Getúlio Vargas com o intuito de garantir “paz social” através de uma lei federal, o Sistema S é bancada pelo desconto em folha de pagamento para formar o caixa dessas entidades privadas como o Sesc, Senac, Senai, Sesi, etc.
Essa verba tem problemas de distribuição, gera salários enormes para uma minoria privilegiada como diretores e gerentes, que vão de 30 mil reais até 99 mil (relatório da Estrutura Remuneratória), além de carros e celulares fornecidos pela empresa.
Por isso defendemos auditorias transparentes de todas as transações do sistema S.
Não é cortando verba que resolverá o problemas de gastos exacerbados, somente com seriedade e processo participativo efetivo é possível fazer cumprir a missão social do Sesc.
Com o agravamento da pandemia sofreremos também uma crise econômica que já estava desenhada mesmo antes da crise sanitária. A grande questão é quem vai pagar essa conta, as medidas de Bolsonaro e Paulo Guedes já mostraram o caminho: mais de um trilhão para salvar os bancos, enquanto burocratizam a todo custo o auxílio de R$ 600 para que parte da população não morra de fome. Não vamos cair nessa balela, essas decisões são ideológicas e escolhas políticas que colocam o lucro do mercado financeiro acima de nossas vidas e nossos direitos.
Não aos cortes do sistema S!
Cortar verba aleatoriamente não resolve, destrói!
Os ricos que paguem pela crise!
Somos a favor da transparência dos gastos e fim dos privilégios de uma minoria!
Vamos lutar por nenhum direito a menos!
Quarentena não é férias!
Coletivo de Trabalhadoras/es do Sesc/SP
Abril de 2020