Vi dois filmes recentemente que tem a cultura ameríndia ao fundo, são eles Retablo (2017) e La teta asustada (2009). O primeiro gira em torno de um artista de um povo das montanhas do Peru que faz retábulos, cenas cotidianas ou religiosas em madeira e uma espécie de massa para vender. É renomado e faz grandes trabalhos. Um dia a comunidade descobre que ele é gay, o espancam e ele fica entre abandonar o seu povoado ou ficar e sofrer. Termina por suicidar-se. O outro é sobre uma jovem mulher que, por um costume de geração e que deriva das violações sexuais sofridas pelas mulheres durante a ditadura, coloca em sua vagina uma batata como forma de proteção, porque “só o asco assusta do asqueroso”. Estou sendo direto pela duração deste texto.
No primeiro filme, a homossexualidade do personagem é sugerida em uma passagem e na outra temos a confirmação. Mas as coisas são discretas no filme, as cenas não são explícitas. É um filme com bastante silêncio e com cenas com plano-sequências interessantíssimos. Me soou um pouco moralista e clichê, já que a revolta do filho após supor a orientação sexual do pai já era esperada, assim como a surra que leva dos outros meninos quando sabem que seu pai é gay. Pior ainda é o destino do menino, que não dava bola para o serviço do pai e demonstrava não só não ter tato, mas não ter vontade para seguir sua profissão de artista, mas que quando do suicídio do pai torna-se um artista. Mais clichê impossível.
Do outro lado temos também um filme com muitos silêncios, que tenho visto ser recorrente em longas com temática ou traços indígenas, como o são estes dois, mas também poderíamos colocar na conta Los silêncios, Chuva é cantoria na aldeia dos mortos, e alguns filmes do Apitchatpong Weerasethakul. Os dois filmes tem uma questão de gênero implicada, o primeiro na omissão da sexualidade de consequente traição da mulher do personagem; no segundo pela forma como a personagem busca se defender dos abusos sexuais cometidos provavelmente com sua mãe – o pai não aparece no filme, seria ela filha de um estupro da época da ditadura? Interessante mobilizarmos essa noção de gênero para falar de sujeitos cuja cosmovisão não é ocidental.
De traços de sua cultura originária creio que não estejam em primeiro plano nas obras. Talvez em La teta asustada sim, mas não sei até que ponto aquela prática é ancestral ou adaptativa ao contexto de repressão por que passou o Peru. São filmes interessantes, cada um a sua maneira, e que tensionam também a idéia de nação implicada no filme pela língua: em La teta asustada o espanhol é muito pouco falado, o que não acontece em Retablo, que mais ou menos divide as cenas com uma língua indígena. Enfim, o que une os dois podemos dizer que é a violência patriarcal, que subjuga o homem gay no primeiro caso e a mulher no segundo. Assunto pra lá de atual e necessário, vide o que as chilenas estão fazendo e viralizando o mundo com a chamada de “El estuprador es tu.”
Rodrigo Mendes