Sob a pele, Jonathan Glazer, 2013

Um filme que tem um roteiro estruturado, criativo e atemporal. Poucos diálogos deixam as imagens falarem por si só, e conforme o tempo passa, começamos a duvidar da realidade que está acontecendo. Desde a primeira cena (efeitos especiais durante todo o filme são bons, feitos de forma minimalista, simples, utilizando cores primarias que acabam por dar um sentido surreal ainda mais impactante), vemos a luta pela descoberta do próprio corpo e sentidos.

O fato do diretor não dar muitas respostas ao que acontece permite ao espectador interpretar livremente a maneira como a personagem leva a vida, e é incrível quando vemos que, com a convivência na Terra, a protagonista, vivida por Scarlett Johansson,  passa realmente a se parecer com nós, humanos, seja pelo fato de tentar comer, ou se olhar no espelho de forma totalmente ingênua, ou, na cena mais bonita do filme, quando ela está prestes a transar com o homem que a acolhe, percebemos que ela está totalmente envolvida no ato, ou seja, quase que totalmente humana, só não completamente por causa de sua natureza. Há um jogo interessante do debate em torno do que é ser humano – e as vilezas e crueldades ao longo do filme reforçam essa pergunta por seu viés negativo.

A personagem principal, chamada fêmea (não me recordo se é dito no filme, mas é o que o site IMDB nos diz: https://www.imdb.com/title/tt1441395/), é uma figura enigmática, não sabemos seu paradeiro, mas acompanhamos seu desenvolvimento. A interpretação é segura, ressaltada nas cenas silenciosas, nas quais apenas com olhares e movimentos os sentimentos emergem, seja na cena em que se olha no espelho, ou quando tenta comer, ou quando conversa com os homens antes de os levar a sua casa, mostrando uma ingenuidade falsa para conseguir o que ela quer – mais um “maneirismo” do ser humano. Isso não deixa de ser estranho, já que essa figura se aproxima e se distancia do humano.

Cada um dos personagens que aparecem em cena revela uma faceta da humanidade. Vemos isso quando ela “libera” um homem de sua armadilha pelo fato de ele ser uma exceção na Terra, não por ser “feio”, mas por ser puro, por ser sensível. É intrigante ver essa descoberta dela, como uma criança em um mundo de adultos.

A cena final mostra que, se ela, que talvez fosse de uma raça superior a nossa, pode padecer diante de um humano, é porque nós somos os principais vilões da história. (Claro que trato aqui com um maniqueísmo barato para fins didáticos; a história é mais complexa que isso.) Após um ato covarde, alguém a mata, sem nenhum remorso. E nessa altura já estamos implicados no filme, o que traz então certa indulgência nossa em relação a ela. Se trata de um filme estranho, que debate o ser humano. O filme de Jonathan Glazer é de 2013, e esse tema é contemporâneo desde alguns anos e seguirá sendo.

Rodrigo Mendes