Bruno Lima Rocha, 13 de dezembro de 2017
É tarefa difícil projetar o ano de 2018, sendo que o corrente ano não terminou e ainda pelo fato de vivermos o prolongamento do terceiro turno das eleições presidenciais de 2014. Mas, como o tema eleitoral está judicializado (a começar pelo julgamento do ex-presidente Lula, marcada a segunda instância no TRF-4 em 24 de janeiro) e as possibilidades das urnas através da democracia indireta dependem de manobras do Supremo (caso, por exemplo, o ex-presidente hipoteticamente condenado venha a recorrer, dentre outras variáveis); acórdãos de última hora (através de um xeque mate do semiparlamentarismo, não de fato, mas na forma da “lei”); legislação em causa própria das regras eleitorais pelo Congresso (como o autofinanciamento sem limite ou a permissividade de participação de empresas estrangeiras na campanha cibernética); cabe antever aquilo que já está observável. Parece lugar comum, mas o fato é que o Brasil está vivendo um trauma difícil de cicatrizar.
Em abril de 2016 a presidenta reeleita Dilma Rousseff foi afastada do cargo pela Câmara, consumando o impeachment no Senado em agosto, sendo que dificilmente a cidadania brasileira saberá explicar a razão da perda do mandato. As tais “pedaladas” são uma “piada” grosseira, e a justificativa legal é uma lei de 1950, jamais inteiramente respeitada, e escrita às pressas para colocar um freio no governo Vargas que iniciaria em 1951, terminando com seu suicídio em 24 de agosto de 1954. Como não há causa jurídica, o resultado foi fruto do golpe parlamentar, com os legisladores julgando o “conjunto da obra”. Ou seja, uma manobra típica do parlamentarismo.
Em termos de conformação de classe, o “golpe jurídico-midiático-parlamentar” resulta tanto na quebra de uma aliança de classes espelhada pelo lulismo, como a ascensão – fragmentada, é verdade – de uma tecnocracia de Estado com ares de estamento e nítida acumulação de poderes. Se entre 1935 e 1964, com alguns intervalos, as Forças Armadas operaram como um recurso de tipo Poder Moderador, agora o fator interveniente não veste farda, mas toga. Refiro-me aos cerca de 17 mil juízes, 13 mil procuradores e órgãos correcionais ou fiscalizadores, como os delegados da Polícia Federal e auditores da Receita, dentre outros.
O esvaziamento do Poder Executivo, que pela tradição brasileira é o reflexo de um voto que tende a ser plebiscitário, é acompanhado da incapacidade de exercício de governo. Porque, além dos dois poderes acima mencionados – o Parlamento com evidente representação de classe dominante e o Estamento Togado, com ascensão e poder de veto ou moderador – ainda temos no controle central da economia aos financistas ou seus representantes, especialmente dentro do na prática “independente” Banco Central (BC). Com o uso e abuso da taxa básica de juros (Selic), o tripé macroeconômico (e sujeito aos ataques especulativos do valor do dólar) e a DRU (Desvinculação de Receitas da União) que dispõe de 30% do orçamento federal para a equipe econômica (ministérios da Fazenda, Planejamento, além do BC), já é quase impossível governar de acordo com o programa escolhido nas urnas.
Vale observar que “os analistas econômicos” – aqueles que operam no “mercado de notícias sobre o tal do mercado” – insistem que a baixa da Selic é reflexo do “ajuste e dever de casa”, sendo possível sua elevação para o meio da corrida eleitoral de 2018; vindo a agravar-se no primeiro trimestre de 2019. Enfim, uma explícita chantagem midiatizada, onde os mercadores de “notícias plantadas” vociferam o fontismo empresarial e especialmente especulativo, condicionam o último suspiro democrático na democracia liberal periférica e capitalista brasileira – a soberania popular manipulada nas campanhas eleitorais – às vontades dos donos da banca, literalmente.
Infelizmente as restritas condições institucionais existentes no pacto de classes do lulismo se agravaram após o golpe. Em 2016, o governo ilegítimo de Temer (atado por um fiapo de legalidade, ou de legalidade questionável) conseguiu aprovar no Congresso a PEC 55/241, ou o Novo Regime Fiscal – do teto dos gastos, conhecida também como a PEC do Fim do Mundo. Esta Emenda na Constituição simplesmente colide com cláusulas pétreas de orçamento vinculado, mas o STF nada fez – como quase nada faz quando é para garantir direitos ou distribuir renda. Mesmo que ocorra a vitória de uma candidatura de centro-esquerda ou de esquerda, a capacidade de governar dependerá diretamente da mobilização social em defesa dos direitos adquiridos e retirados de forma ilegítima.
A única condição de exercício de governo que não a continuidade do período de Temer e do desmonte seria um pacote revogatório das medidas privatizantes tomadas desde abril de 2016. Podemos reconhecer que boa parte da agenda regressiva já estava pautada no segundo governo de Dilma, mas o golpe liberou os demônios, escancarando a tampa do esgoto oligárquico e entreguista. Não há muita alternativa, para conter o “processo de mexicanização”, com retirada de direitos e aumento da presença tanto de capital transnacional no investimento e infraestrutura como o aumento do espaço dos financistas nas decisões centrais do aparelho de Estado, só revertendo legalmente o que foi feito na forma de uma “ditadura de classe” através do “semi-presidencialismo de coalizão”. Ou seja, não há mais espaço para um pacto de classes. Ganhe quem ganhe em 2018, ainda será o 4º turno de 2014.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais (www.estrategiaeanalise.com.br para textos e áudios / www.estrategiaeanaliseblog.com para vídeos e entrevistas / blimarocha@gmail.com para E-mail e Facebook)