As artes, ao longo do tempo, passaram por várias transformações. Desde as mais antigas, como a literatura e a pintura, até as mais recentes, como o cinema – assunto deste texto – tiveram ao longo de suas histórias momentos de crise, de ruptura, que ocasionaram mudanças, às vezes radicais, em sua forma e estilo. Foi o caso, na pintura por exemplo, do século 14 na Itália, século do arquiteto Filippo Brunelleschi e da revolução que proporcionou às artes visuais ao descobrir a perspectiva. A partir disso, pode-se pintar se valendo das três dimensões, o que trouxe a possibilidade, dentre outras, de um maior realismo aos artistas da época. No cinema houve alguns momentos como esse, de uma revolução total da forma de se fazer cinema. Aqui falarei brevemente de um movimento de vanguarda – e como tal queria romper com todos os padrões preexistentes –, chamado Nouvelle Vague, em tradução direta, Nova Onda.
Esse movimento surge na França – por isso o nome – e tinha como pressuposto basilar a recusa ao neorrealismo, escola estética anterior muito em voga na Itália. A partir desse momento as histórias narradas no cinema iriam abordar a realidade de maneira alegórica, metafórica, muitas vezes parecendo surreal (lembrando que o Surrealismo foi outra vanguarda meio século antes, também na Europa). Filmes como os de Jean-Luc Godard, François Truffaut e outros ocupavam esse espaço de ruptura e de nova forma de fazer cinema. A Nouvelle Vague surge nos anos 1960, década de radicalismos no país, como o maio de 68 mostraria ao final, com grandes protestos de estudantes universitários que depois se espalharam e massificaram. Os anos 60 também são a época do movimento Hippie e de protestos à Guerra do Vietnã (que também deram pano pra manga no cinema, tendo como expoente maior o filme de Francis Ford Coppola, Apocalypse Now, talvez não por acaso um filme de vanguarda).
Essa nova estética se espalhou pelo mundo, e são conhecidas outras nouvelles vagues, como a japonesa, de qualidade imensa, cujos filmes A mulher inseto e A face do outro são alguns exemplos. No Brasil foi muito produtiva e encontrou em Glauber Rocha seu principal nome (aqui o movimento, levando em conta nossa realidade local, foi chamado de Cinema Novo). Na segunda metade da década o “cinema marginal”, cujo manifesto é o maravilhoso O bandido da luz vermelha, dá continuidade ao cinema de vanguarda em território nacional, radicalizando ainda mais a estética de Glauber, Nelson Pereira dos Santos e outros. O filme Matou a família e foi ao cinema, de Julio Bressane, cujo título já dá ideia do tom, é outro bom exemplo de como essa renovação cinematográfica estava se dando aqui. Com uma montagem insana, fragmentada, com idas e vindas que deixam o espectador muitas vezes sem compreensão mostram como a estética realista (de Nelson Pereira dos Santos em Rio, 40 graus por exemplo) foi suplantada pela alegoria, pela metáfora.
As nouvelle vagues seguiram também para outros lugares, como a República Tcheca, Itálica (Federico Fellini) e outros. São um momento algo da história do cinema e deram frutos: hoje em dia no Brasil temos o exemplo de Branco sai, preto fica, grande filme de Adirley Queirós, que com algumas modulações encarna um pouco o ímpeto vanguardistas do pessoal dos anos 60; Lars Von Trier, cuja obra-prima Dogville também bebe em algo disso; um filme recente chamado Estação do diabo, do finlandês Lav Diaz também de certo modo. Os exemplos certamente são grandes e marcaram época na história do cinema e das artes, que estão fadados sempre a reviravoltas e reviravoltas, sempre instigando os espectadores.
Rodrigo Mendes