ESCAPES POSSÍVEIS E NECESSÁRIOS
a soma destes fatores constitui as maiores causas de um esvaziamento e de uma limitação muito pragmática do fazer estudantil na universidade privada – uma limitação tanto em número quanto em alcance e efetividade.
a partir de uma perspectiva libertária, militante e que compreende a necessidade de impulsionar e participar das lutas das de baixo, deve-se entender que um espaço estudantil que abriga tantas fatias do povo, onde circulam e onde peleiam por futuro muitas mulheres, muitos negros e negras, muita juventude periférica de classes baixas, enfim, um espaço que se constitui como parte da vida das de baixo, não pode ser deixado de lado se pretendemos construir lutas importantes.
assim, partindo do pressuposto de que é necessário organizar, construir e impulsionar lutas nas universidade privadas e entendendo que este movimento estudantil tem características próprias que precisam de uma atuação própria, de uma práxis que dialogue com a realidade própria de quem habita esse espaço, correndo o risco de ser ou ineficiente ou elitista, caso repita nas entidades e coletivos o mesmo modus operandi do movimento estudantil do ensino público, é preciso um olhar atento para as potencialidades e limites dessa prática.
se a vivência acadêmica das estudantes se restringe à sala de aula e se aquelas mais prejudicadas no jogo de opressões que é o capitalismo são as que menos conseguem, querem ou sabem militar, é tarefa das estudantes, sobretudo das comprometidas com um projeto político revolucionário que atuam dentro das universidades, a criação e o impulsionamento de movimentos, centros/diretórios acadêmicos, coletivos de luta ou entidades quaisquer que reúnam em si características próprias que deem conta desse desafio.
é preciso que, primeiramente, ocupe-se duas principais frentes de trabalho militante, que se entrecruzam e interdependem:
- a) a produção de conhecimento em si – as bolsas de pesquisa, os eventos acadêmicos, as semanas e jornadas do curso, a divulgação científica no geral, etc; e
- b) o movimento estudantil organizado, seja através de centros e diretórios (sempre que possível), seja através de coletivos, de grupos de bolsistas, de frentes de mulheres, de coletivos de negras e negros, de espaços tantos de luta, que aglutinem as estudantes e sirvam para eco de suas demandas mais concretas e reais – do aumento de mensalidade às políticas de permanência, das bolsas-auxílio às casas de estudante.
neste ponto, é preciso identificar aquilo que já existe ou criar novos espaços e coletivos, apurando o olhar sempre em direção à vida, às demandas e às possibilidades dos setores mais oprimidos das estudantes.
se as entidades, coletivos e frentes possíveis de inserção e atuação podem ser vistas como escapes necessários na militância dentro de instituições privadas de ensino, é preciso, como dito, que tais movimentos tenham cuidados e maneiras de fazer específicas e atentas aos anseios e particularidades tanto de quem estuda em tais instituições quanto das próprias universidades privadas em si, com características que podem vir a ser úteis para outros espaços, mesmo públicos, de educação.
nem sempre o movimento estudantil que orbita em torno do que está instituído, como diretórios/centros acadêmicos, representações discentes, encontros regionais ou nacionais de curso… são representativos ou têm qualquer legitimidade real junto às estudantes, mas nem por isso a luta é inviável. se não há espaços, que se criem.
os movimentos precisam ou ser fundados ou transformados até se assentarem sob tres bases importantes, sem as quais podem sucumbir ou se dobrar às mudanças e instabilidades próprias do mundo estudantil.
são as bases: a autogestão, o classismo e a capilaridade.
por capilaridade, falo de coletivos que não se reservem ao “amiguismo” ou à reunião de algumas iluminadas com conhecimento, ganas e tempo livre para estar discutindo política, isto é, falo de coletivos que tenham incidência real e concreta no dia-a-dia do conjunto de alunas e alunos, em todos os períodos e em todos os turnos do curso, que tenham presença física através de propaganda, comunicação visual, que tenham ou lutem para ter um espaço físico sempre aberto e operante, que preste serviço (como as carteiras estudantis ou meio-passes no transporte) e, ao mesmo tempo, seja espaço de discussão fora da sala de aula, mas também dentro, com uma estrutura que se insira nas salas, nos momentos intra-classe (onde está e se mantém a maioria do povo pobre), com delegadas de turma que garantam que as discussões políticas estejam nas aulas e delas venham as respostas, propostas e ideias para todo o coletivo.
tal capilaridade pode e deve se relacionar a uma estratégia de comunicação, de propaganda e agitação, em uma identidade visual e em campanhas públicas para os coletivos e movimentos, que faça memória, que celebre as datas importantes, que agite e informe em torno das pautas e das discussões que se faz no cotidiano, que publicize os debates, que agite e convoque as colegas, que informe sobre os acontecimentos…
essa estratégia, também, pode incluir a conquista e a manutenção de um espaço para os coletivos, diretórios e movimentos, sejam espaços concedidos pela universidade ou ocupados/conquistados com luta das estudantes. a manutenção de um espaço, uma gestão coletiva e responsável que garanta amplo acesso, que preste serviços, que seja espaço de circulação de afetos, de descanso, de organização e debate, que tenha agenda pública própria e que possa ser conhecido e ocupado, que seja ao mesmo tempo seguro para temas e debates importantes e também público e possa servir como “a cara” comunicativa das entidades… é fundamental para a capilaridade, para a agregação de estudantes, para a identificação dos movimentos e para o enraizamento no curso e na universidade, no imaginário e nos campi.
ao falar de classismo, fala-se de movimentos que se constituam (em formato, método, palavras de ordem, pautas, estrutura e discurso) a partir de uma perspectiva de luta de classes, a partir do entendimento do espaço que a universidade, o curso específico, a ciência e o sujeito social “estudante” ocupam na formação social do país. é preciso que os coletivos e movimentos estejam alinhados não a uma prática política “estudantil” só é genericamente, mas seja composto de e atuante para as estudantes da classe trabalhadora, suas demandas, suas urgências, suas pautas…
e tais características, também importantes, a seu modo, na construção dos movimentos em universidades públicas, só se fazem possíveis com autogestão, com democracia direta, com coletivos que se organizem de baixo para cima, horizontalmente em sua gestão, preferencialmente sem eleições ou chapas, mas com amplo espaço democrático, com participação real e efetiva dos setores mais precarizados das estudantes, com meios claros e instituídos de participação, com acordos e estrutura bem definidos.
a autogestão, aqui e sempre, não se assemelha nem se relaciona com uma não-gestão apolítica, com a inexistência de tarefas, delegadas, pessoas responsáveis, referências e agrupamentos internos; pelo contrário, por autogestão os movimentos devem entender a constante e incessante participação política das estudantes em todos os processos decisórios, de gestão, de execução, de pensamento e operacionalização da vida e da militância – dos eventos acadêmicos às marchas e protestos, da representação estudantil institucionalizada (em conselhos e reuniões) até as ocupações e greves.
se trata de radicalizar a democracia, radicalizar o olhar classista e radicalizar a inserção e o diálogo com o curso, a universidade e a cidade, no geral.
não é possível ter um discurso de classe, de aliança das de baixo, sem garantir capilaridade dos movimentos em todo o curso, em todos os seus turnos e em todos os seus períodos; bem como adianta de nada ter legitimidade, capilaridade e discurso classista sem ter mecanismos autogestionados de funcionamento, com diretorias ou burocracias iluminadas que ditam as regras.
essas características-básicas aqui apresentadas não são fins, são o meio, o método, é o ponto de partida que, bem assegurado, garante um movimento estudantil enraizado, cotidiano e potente nas universidades privadas – historicamente com menos tradição, mais burocratização e mais precarização das estudantes, no geral.
Resistência Popular Estudantil