Da Militância Libertária na Universidade Privada – parte 1

já é tema de muito tempo, mas, desde 2016, no mínimo, o processo de luta nas universidades privadas vem sendo objeto de pensares e fazeres por aqui.

os processos de ocupação contra a PEC da Morte, em porto alegre e região representados sobretudo pela PUCRS e pela UNISINOS, no fim de 2016, reacenderam o debate acerca do fazer político dentro de universidades e até de escolas privadas.

na PUC, seguranças chegaram a violentar diversos estudantes na tentativa de ocupação; na Unisinos, diversas pessoas se mostraram indignadas com a ocupação e pediram por intervenções da polícia.

em 2018, professoras entraram em greve nas maiores escolas de ensino privado em são paulo, acendendo o movimento estudantil nestes espaços. durante as eleições de Outubro, mais movimentos, aulas públicas e protestos sacudiram as universidades privadas contra o avanço do fascismo.

diferente das lutas nas universidades, institutos e escolas públicas, as ocupações recentes em universidades privadas não afetaram as aulas nem prejudicaram radicalmente o funcionamento dos campi – não deixando, com isso, de gerar revolta e agressividade inclusive entre colegas.

as universidades privadas são o local de estudo de 76% dos estudantes do ensino superior no brasil. é para onde vão 14% dos jovens, entre 18 e 24 anos, ao saírem do ensino médio.

a dificuldade dos vestibulares e as desigualdades socioeconômicas fazem com que seja a universidade privada o local onde as trabalhadoras encontram espaço para sua qualificação superior. pelo censo educacional de 2014, do INEP, as universidades privadas abrigam em suas salas de aula a maioria das pessoas negras, das mulheres e das pessoas com vínculo empregatício formal, o que faz com que 75% das estudantes estejam matriculadas em cursos noturnos.

ou seja, o proletariado brasileiro, mesmo após anos de ações afirmativas e incentivos de acesso, ainda não consegue acessar a educação superior pública, majoritariamente ocupada pelas classes médias e altas, sem necessidade de trabalho para custeio dos estudos e que tiveram melhor educação básica no ensino privado.

a militância política na universidade privada, então, é o fazer de um movimento estudantil bem particular, com ritmo, pauta, jeito e atrizes diferentes do já tradicional (e nem sempre combativo) movimento das universidades públicas. está pautado em uma instabilidade muito maior das estudantes, em uma unidade menor entre “turmas”, em uma dispersão e evasão típicas do setor privado do ensino.

Direito da Unisinos na luta contra os aumentos abusivos nas mensalidades

– O ESPAÇO QUE PERTENCE A UM OUTRO
um dos primeiros entraves e a crítica principal à atuação militante na universidade privada é seu caráter de propriedade – e uma propriedade que não é das estudantes e professoras e funcionárias, mas de um Outro, de um Dono que pode, à bel prazer, agir como entende e como deseja, cabendo ao corpo discente uma aceitação passiva – “ou vai pra outra universidade”.

o entendimento comum da universidade privada como um local de propriedade do outro, um local que pertence a alguém e não é comum a todas, é onipresente no imaginário das estudantes, mesmo as que se propõe a questionar práticas e políticas instituídas.

não é necessário recorrer às legalidades do palavreado jurídico-burguês para contrapor esse tipo de argumento, nem fazer compreender que o brasil entende a educação superior como “área estratégica para o desenvolvimento nacional” e que, mesmo as universidades privadas inscrevem-se em uma área não de venda e compra de produto, mas de promoção de um direito.

é preciso, sempre, lembrar que a universidade existe e se mantém pelo corpo discente. que são os alunos e alunas quem financia, sustenta, engrandece e eleva o nome da universidade – e que esta só existe para as estudantes.

tomar para si as rédeas da sua vivência acadêmica, de seus espaços e processos, então, não é incongruente à universidade privada.

“cadeiraço” na OcupaPUC, em São Paulo, em luta contra a PEC da Morte

são as alunas que constituem a universidade e podem e devem ocupar, re-pensar e tensionar a instituição para que ela seja de um outro jeito.

a análise do privado como ‘do outro’ desconsidera sempre os atores deste espaço. a máxima de que “se a classe trabalhadora tudo produz, a ela tudo pertence”, mais do que frase de efeito, é uma verdade visível também no espaço acadêmico.

se as estudantes e professoras, funcionárias e comunidade são as que produzem/constituem/sustentam a universidade, ela lhes pertence – e o movimento estudantil precisa ter isso como princípio em sua atuação.

Resistência Popular Estudantil