da Resistência Popular Sindical – SP:
O dia 08 de março de 2019, além do simbolismo pela luta internacional das mulheres, foi uma data marcada, na realidade do município de São Paulo, pela suspensão de uma luta levada a cabo por trabalhadores: a greve unificada dos servidores municipais contra a Lei nº 17.020/18, que institui o Sampaprev.
O movimento, iniciado no dia 04 de fevereiro, foi mais um episódio de luta dos servidores municipais contra o desmonte de sua previdência, atualmente sob responsabilidade do Iprem (Instituto de Previdência Municipal de São Paulo). Inicialmente colocado em pauta pela gestão Fernando Haddad (PT), em 2015, o Sampaprev estabelece, entre outras coisas, a criação de uma previdência complementar para os servidores públicos, envolvendo a atuação de entes privados. Desde sua primeira tentativa de implementação, o projeto passou por alterações, transitando pela gestão João Doria (PSDB) até ser aprovado já no governo Bruno Covas (PSDB) em 26 de dezembro de 2018, no “apagar das luzes” do ano.
O Sampaprev não se trata de um fato isolado: ele se insere em uma conjuntura nacional de radicalização dos ataques à classe trabalhadora. Desde 2016, o fortalecimento da agenda neoliberal impôs graves retrocessos, como a reforma trabalhista, a terceirização irrestrita e a Emenda Constitucional nº 95 — que estabelece o congelamento de investimentos públicos por longos vinte anos. Nesse sentido, reformar a Previdência se trata de mais um golpe contra os trabalhadores. Michel Temer (MDB), enquanto presidente, tentou aprovar sua reforma, sem sucesso; Jair Bolsonaro (PSL), por sua vez, apresentou, em fevereiro, um projeto de reforma ainda mais duro que o de seu antecessor, intensificando o desmonte previdenciário. O desmonte da Previdência é algo que interessa, sobretudo, aos bancos, que podem se beneficiar de um modelo de capitalização semelhante ao do Chile: gerador de lucros para as instituições financeiras e extremamente precário e de risco para os trabalhadores.
Para justificar tais ataques, o argumento mais comum é que o sistema de Previdência brasileiro, de caráter solidário (os trabalhadores de hoje contribuem para os já aposentados), é deficitário e insustentável. A Previdência municipal não fugiria a essa regra: segundo a prefeitura, o Iprem “quebraria”, pois o gasto com as aposentadorias não acompanharia a arrecadação. O Sampaprev, portanto, seria a solução para equacionar o problema do Iprem. Além da prefeitura, uma outra instituição se mostrou preocupada com a aposentadoria dos servidores públicos: a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que encomendou um “estudo” sobre a saúde financeira do Iprem, como doação à administração municipal. Afinal, que interesses os bancos poderiam ter em nossa Previdência que não seja a obtenção de lucros?
Em sua última versão, o projeto que se tornou a Lei nº 17.020/18 determina pontos bastante problemáticos. A alíquota de contribuição, anteriormente estabelecida em 11%, passou para 14%, afetando todos os servidores de forma irrestrita; esse aumento configura, na prática, um confisco salarial, uma vez que parte significativa da renda dos servidores é descontada graças à alíquota e ao Imposto de Renda. Além disso, a Lei apresenta um ponto capcioso: a divisão dos servidores entre as instituições previdenciárias. Conforme o determinado, os servidores antigos ficariam, ainda, restritos ao Iprem; aos ingressantes logo após a promulgação da Lei, o Sampaprev seria o caminho obrigatório. De acordo com a prefeitura, portanto, apenas os novos servidores teriam que arcar com os limites do Sampaprev, cujo teto é o mesmo do INSS — atualmente em R$ 5.882,92.
Na prática, entretanto, a Lei resultaria, a longo prazo, na falência do Iprem. Como afirmado anteriormente, nosso sistema previdenciário é solidário; se os novos servidores ingressarem diretamente no Sampaprev, portanto, o Iprem, pouco a pouco, teria seus recursos drasticamente reduzidos, uma vez que o desconto obrigatório para a aposentadoria não mais seria direcionado à instituição. Sem os recursos, a aposentadoria dos servidores públicos fica totalmente comprometida.
A aprovação da Lei 17.020/18 no dia 26 de dezembro de 2018 representou um duro golpe para o funcionalismo público municipal. A greve deflagrada em março de 2018, na qual centenas de milhares de servidores pressionaram os vereadores e a gestão Doria, obteve, como êxito parcial, o adiamento da votação do projeto de lei, que ficaria “congelado” por cerca de 120 dias — sendo retomado após o processo eleitoral. O expressivo fortalecimento da direita e o consequente endurecimento da conjuntura foi o impulso que a prefeitura de São Paulo necessitava para retomar o projeto e aprová-lo. Mesmo no período de recesso, os servidores não se fizeram de rogados: na data de aprovação da Lei, dezenas de milhares compareceram à Câmara dos Vereadores na tentativa de barrar o Sampaprev, enfrentando a violenta repressão da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Consumado o ataque, os servidores lá presentes determinaram, em assembleia, um indicativo de greve unificada entre as categorias do funcionalismo público, a ser iniciada no dia 04 de fevereiro de 2019.
Durante 33 dias de luta, centenas de milhares de servidores municipais compareceram às assembleias e manifestações. Ainda que os trabalhadores da Educação, categoria mais numerosa do funcionalismo municipal, fossem majoritários, diversas outras categorias aderiram ao movimento como, por exemplo, as da Saúde, da Assistência Social e do Serviço Funerário, entre outros. Para conduzir as negociações com a prefeitura, a burocracia dos sindicatos estabeleceu o Fórum das Entidades Sindicais em Greve; a base das categorias, por sua vez, impulsionou os comandos de greve regionais — que contavam com trabalhadores de diferentes segmentos.
No entanto, diferente da greve de 2018, com o acirramento da conjuntura, a greve unificada de 2019, enfrentou diversas dificuldades. Apesar das assembleias massificadas, que demonstravam a força dos trabalhadores, o Fórum das Entidades Sindicais em Greve centralizou o movimento, não dando espaço para a apresentação de propostas contrárias às determinadas pela burocracia sindical. Ademais, sindicatos importantes, como o Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo), que representa os profissionais da Educação, não entraram com a força necessária para impulsionar a greve. É importante lembrar que Cláudio Fonseca, presidente do sindicato e figura hegemônica tanto no Fórum quanto na condução das assembleias, é vereador pelo Partido Popular Socialista (PPS), que pertence à base do prefeito Bruno Covas. Sua atuação, portanto, é marcada por uma flagrante contradição.
A centralização promovida pelo Fórum, além de minar a possibilidade de um diálogo democrático, também representou uma resposta à atuação dos comandos de greve regionais, que foram bem sucedidos na greve de 2018. À época, os servidores, mobilizados em suas regiões de trabalho, fortaleciam a luta tanto entre os trabalhadores quanto entre a população em geral, que demonstrava seu apoio; tal fato escapou do controle da burocracia sindical. Em 2019, portanto, a centralização da condução da luta no Fórum foi um artifício para minar a forte atuação dos comandos de greve regionais.
A assembleia do dia 08 de março, que “suspendeu” a greve, mostrou isso de forma patente: em votação acirrada, a burocracia procurou manobrá-la por meio da apresentação da proposta do governo e a posterior inviabilização de propostas da oposição, fazendo valer sua vontade. Tal fato provocou revolta entre uma parcela significativa dos servidores municipais ali presentes, que por horas, impediram o caminhão de partir da prefeitura rumo à manifestação do 8M, no Masp. A burocracia do Sinpeem, hegemônica pela representatividade que a Educação possui dentro do funcionalismo público municipal (aproximadamente 80 mil servidores) foi uma das mais criticadas.
Pensando especificamente no Sinpeem, as manobras da burocracia provocaram descontentamento entre servidores, que, mais uma vez, passaram a questionar a eficácia dos sindicatos no processo de lutas. É importante considerar, porém, que os sindicatos são históricas associações de resistência e instrumentos de luta da classe trabalhadora, devendo estar a serviço da base, não da burocracia. Se faz necessário reconstruir o sindicato, democratizando-o e o submetendo aos anseios da base. Vale lembrar que o sindicato não pode ser um fim em si mesmo, mas sim um instrumento de luta no sentido de fortalecer as transformações sociais por nós almejadas.
Embora a greve unificada contra o Sampaprev tenha sido suspensa, a luta não terminou: o governo Bolsonaro, em meados de fevereiro, apresentou na Câmara dos Deputados seu projeto de reforma da previdência — ainda mais intenso que o do governo Temer. Na prática, a proposta tem como propósito gerar lucros bilionários ao mercado financeiro por meio do sacrifício da classe trabalhadora, que verá sua possibilidade de aposentadoria ser reduzida drasticamente. Contribuir integralmente por 40 anos para se aposentar, por exemplo, é um dos mais duros golpes contra os trabalhadores e trabalhadoras.
Nesse sentido, é fundamental que construamos a luta contra a reforma da Previdência em âmbito federal, cujos efeitos impactarão diretamente na realidade do município. Dia 22/03 já haverá mobilização, convocada pelas centrais sindicais, contra esse ataque do governo Bolsonaro. Apenas a atuação forte e organizada da classe trabalhadora é capaz de barrar os retrocessos que tentam nos impor.
Tomemos a luta desde baixo!