Esse texto tem como objetivo divulgar e comentar três filmes brasileiros, da década de 1950 a 1980. São eles Rio, 40 graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos; O bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla; Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho.[1]
O primeiro é uma espécie de precursor dos filmes cuja temática são as desigualdades sociais no país. Tem por enredo um grupo de crianças que acompanha ao longo de um domingo. Percebe-se sua preocupação em denunciar as assimetrias sociais já nas primeiras cenas, quando sobrevoa o Rio de Janeiro e, refutando-se a mostrar somente as belas paisagens para turistas, volta suas lentes para a periferia da cidade, onde moram os protagonistas do filme.
Ao longo da narrativa, mostrará diversos tipos cariocas, desde o malandro tradicional ao deputado corrupto, passando pelas crianças pobres que vão vender amendoim num domingo de sol. O diretor filma os atores sempre na rua, dentro do estádio, em cima do morro, e isso é proposital, já que Nelson Pereira dos Santos herda um pouco do neo-realismo italiano, muito em voga na década anterior na Europa. Importante notar também que o filme indica certos fatores de modernização que atualmente estão muito presentes, como o futebol e os jogadores como mercadorias de muito valor e a exclusão cada vez maior da periferia. O filme conta ainda com a trilha sonora acertadíssima de Zé Keti, com a canção “A voz do morro” encerrando o filme.
O bandido da luz vermelha, por sua vez, traduz o que era a ditadura em um filme impressionante. A frase síntese não só do filme, mas do momento em que estavam (1968) é: “Quando a gente não pode fazer nada a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba”. Perfeito. O filme é uma mistura total de cultura pop, rádio, mitologia sobre o bandido da luz vermelha e a violência corrente durante da Ditadura civil-militar brasileira.
Sganzerla era muito jovem e já em seu filme de estréia mostrou a que veio. Fazendo parte do Cinema Marginal, alcunha contestada pelos diretores do momento, já que era depreciativa, explorou ao máximo a mixagem de som e a montagem alucinante, dando aos espectadores um turbilhão de informação que são jogadas freneticamente na tela. Traz um anti-herói mítico que incorpora bem o berço de onde o filme nasceu: a Boca do Lixo em São Paulo.[2]
E Coutinho, cuja resenha sobre o filme pode ser encontrada aqui, começou a fazer seu filme em 1964, em decorrência do assassinato João Teixeira, líder camponês na Paraíba. O filme foi interrompido pela ditadura, materiais perdidos, os atores (que eram os próprios amigos de João Teixeira, mais sua esposa, Elisabete Teixeira) mudaram-se para cidades diferentes e o projeto desfeito totalmente.
Anos depois, contudo, Coutinho, de forma mais independente, logo mais difícil, decide ir atrás dos antigos personagens para reconstruir o filme. O resultado é Cabra marcado para morrer, um filme atravessado pela história nacional e que reconstrói não só esta, mas a identidade de Elisabete, perdida por 17 anos desde o golpe militar.
São filmes que se fazem valer da realidade brasileira como matéria e a transformam em objetos estéticos de alto nível. O cinema serve como denúncia ao passo que revigora uma vida cinematográfica sempre difícil aqui no Brasil.
Rodrigo Mendes
[1] Esses filmes foram exibidos no 1º Cine Ateneu, por isso a escolha para o texto. Nota-se que Glauber Rocha ficou de fora, mas naturalmente o entendo como um dos principais diretores brasileiros, não só do período em questão, mas de toda filmografia nacional.
[2] Se com Glauber Rocha a temática central do Cinema Novo era a fome (como pode ser lido em seu manifesto Eztetyka da Fome), os diretores a partir de 1967 se colocavam de certa forma contra esse cinema, querendo explorar o lixo.