Mulheres na Resistência – RJ
O dia 28 de Setembro é, simbolicamente, o Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, escolhido durante o V Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, em 1990, na Argentina.
No atual cenário de avanço do conservadorismo, a pauta do aborto é afastada da discussão de saúde e tratada com um viés moralista que criminaliza a decisão das mulheres sobre seu corpo e negligencia suas vidas.
Em Agosto desse ano foram feitas mudanças nas condições para o procedimento de interrupção da gravidez nos casos já previstos por lei, expondo o nitido descuido do Estado com os direitos reprodutivos da mulher. A nova portaria ( nº 2.282/2020) colocou inicialmente que os médicos serão obrigados a informar a polícia e ainda deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial, como fragmentos de embrião ou feto, mesmo sem o consentimento da vítima. Além disso, ao recorrer ao aborto , a mulher deveria ser informada pela equipe médica sobre a possibilidade de visualizar o embrião ou feto através de ultrassonografia. Nesse mês de setembro a portaria foi editada e a perversa determinação do dever de informar sobre o ultrassom foi retirada. Ainda assim, esses novos procedimentos mantidos depois da alteração da portaria afetam o já antes dificultado acesso de meninas e mulheres a esse direito, fazendo a equipe médica funcionar como um aparato de coerção e transformando o que deveriam ser procedimentos de cuidado em investigatórios.
Enquanto a criminalização prende e mata mulheres diariamente, grupos de extrema direita aterrorizam publicamente uma menina de 10 anos, grávida e abusada sexualmente durante quatro anos, mostrando a falta de limites da sua impunidade. A perseguição protagonizada pela figura da Sara Winter, que divulgou os dados pessoais da vítima e mobilizou um protesto para impedir o procedimento na frente da unidade de saúde onde ela estava internada, mostra que as mulheres nessa situação não são punidas só pela lei, mas também pela sociedade, que ao invés de acolhe-las, promove a sua tortura psicológica e física.
Em uma sociedade ainda construída por premissas conservadoras, a educação sexual em escolas causa repulsa, as desigualdades são insistentemente ignoradas, o planejamento familiar não existe – e sim, um grande número de famílias sem estrutura – e o sistema de saúde pública é cada vez mais sucateado. Neste quadro, a maioria das mulheres se vê impossibilitada de ter acompanhamento médico e manter o aborto como uma prática criminalizada é apenas mais uma forma de escancarar a hipocrisia e a maldade inerente ao Estado, ao Sistema Capitalista e seus tentáculos, isto é, as diversas formas de opressão.
O alto índice de abortos induzidos no Brasil e no mundo é uma realidade que é acompanhada pelo alto índice de mortes de mulheres, principalmente negras e pobres, que se submetem a processos clandestinos e sem o mínimo de segurança. A sociedade vigente, na qual ainda é enraizada todo o mal do patriarcado, joga sobre as mulheres a maior parcela da responsabilidade e o fardo de uma gravidez indesejada, sendo as reais penalizadas e julgadas quando fazem a difícil escolha de abortar, tirando grande parte e, muitas vezes, ausentando a responsabilidade dos homens nesse processo.
O dia 28 de setembro é um dia de enorme importância para lembrar a urgência dessa pauta. Entretanto, só a organização e a luta cotidiana nas ruas e nos lugares de inserção (local de trabalho, estudo, moradia, movimentos sociais) poderão trazer resultados concretos para que nós, mulheres, possamos conquistar o comando do nosso próprio corpo e do nosso direito reprodutivo. Sendo assim, lutemos para a construção do poder popular, lutemos para continuarmos vivas, lutemos por nós e por todas que se foram vítimas fatais de abortos clandestinos. Lutemos não só no dia 28 de Setembro, mas até que estejamos, de fato, livres, e quando estivermos livres, continuemos lutando para mantermos nossa liberdade!