No dia 27 de Julho aconteceu o 1º Encontro de Usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de São Leopoldo-RS na Câmara de Vereadores da cidade. O SUAS nasceu em 2005, após anos de lutas por direitos dos grupos mais vulneráveis da população. O SUAS organizou, em nível nacional, a oferta de serviços e benefícios de Assistência Social, buscando se afastar do passado de assistencialismo e voluntarismo, entendendo as pessoas como sujeitos de direitos e não como pessoas dignas de pena ou caridade. De lá para cá, mais e mais atores e atrizes entraram em cena e reivindicam espaço para participar das decisões que afetam suas vidas. São mães de famílias da periferia, pessoas em situação de rua, adolescentes que participam de grupos de convivência ou pessoas vitimadas por violação de direitos humanos.
Em São Leopoldo o encontro contou com uma mesa de abertura na qual Nilson, usuário do SUAS destacou a importância do direito ao acesso aos serviços de assistência social e saúde, enfatizando que as doenças físicas muitas vezes aparecem por causa de “doenças sociais”. Júlio, presidente do Conselho Municipal de Assistência Social lembrou da importância da participação das pessoas para o controle social dos serviços prestados, produzindo resistência diante da barbárie de tantos ataques. A Secretária de Desenvolvimento Social, Ângela, se colocou ao lado dos usuários, falando que aquele era um espaço para o diálogo sem perseguição como já houvera em outros momentos. Já neste instante foi interrompida por uma pessoa do público que tomou a palavras para saber se ela ficaria até o fim para ouvir as reivindicações e críticas.
Em seguida, uma mesa foi composta por Juliana, representante das trabalhadoras e trabalhadores do SUAS, Richard, representante das usuárias e usuários do SUAS e Mariazinha, representante do Fórum Estadual de Usuários do SUAS. Juliana ressaltou a importância do trabalhador entender o usuário como um sujeito, pleno, com direito à participação. Rhichard, lembrou sua trajetória como criança acolhida e depois como usuária dos serviços para população de rua. Lembrou dos salários atrasados e da precariedade das trabalhadoras terceirizadas dos serviços e afirmou que governo é como feijão: para garantir direitos tem que ser na pressão. Mariazinha deu relato da criação dos fóruns estadual e nacional de usuários do SUAS, ressaltando as conquistas e a importância da participação na construção e na fiscalização dos serviços públicos de assistência social.
Após a mesa, abriu-se para falas do público. Pedro*, militante do Movimento Nacional da População de Rua e do Jornal Boca de Rua falou como a sociedade vê o morador de rua como inimigo, esquecendo que a pessoas tem uma história e que poderia ela mesma oferecer oficinas nos serviços, pois muitas têm experiência. Falou também da necessidade de melhoria dos serviços para população e do quanto os albergues são excludentes, pois desrespeitam as individualidades com regras iguais que terminam sempre com “vai embora” – se referindo ao término do tempo de pernoite. Fabrício* falou da importância do Aluguel Social para garantir teto para quem hoje está na rua, dizendo que é direito ter uma casa para ter uma vida própria, com o próprio sofrimento e o próprio coração. Joana* relatou as diversas agressões de policiais sofridas por moradores de rua, especialmente pelas mulheres em situação de rua. Emocionada ao denunciar a violência policial, falou “sou moradora de rua, mas tenho coração, não somos bicho”. Rosa* falou que hoje não tem onde morar com os filhos e por isso defendeu as trabalhadoras do Centro Pop. Disse que vai seguir lutando para ter uma casa e poder cuidar da família. Taís* se identificou como “uma guria de acolhimento”. Menor de idade e vítima de violação que causou o rompimento de vínculos com a família, ela ressaltou o preconceito sofrido por ser acolhida em uma instituição, além do problema que é um jovem em acolhimento completar 18 anos e muitas vezes ter que ir morar na rua. Disse que é importante não julgar quem está na rua e não desistir de lutar. João*, um jovem da periferia, falou do direito a ter casa própria, tanto para quem está na rua, quanto pra quem mora na periferia em condições precárias. Lembrou que o Bolsa Família foi o que possibilitou que não passasse fome. Marisa*, trabalhadora de uma entidade de assistência social, lembrou sua trajetória de rua e de luta pelo MST. Relatou que o problema da violência policial também ocorre nas periferias, relatando que a agressão sofrida pelo seu filho que correu (pois na vila, ela relatou, todo mundo tem medo da polícia, porque ela é violenta e não tem critério) e, por isso, levou tiro da Brigada Militar no pátio de casa. Afirmou que não se pode calar nem desistir dos direitos. Ao fim, falando com as pessoas em situação de rua do plenário, falou que existem casas que não ficaram prontas e poderiam ser ocupadas na zona norte num processo de organização, pois depois de ter moradia, dá para buscar trabalho, por exemplo. Renata* falou da importância da população de rua usar a câmara de vereadores, ocupando um lugar que normalmente não é usado pra debater os problemas do povo. Dialogando com quem relatou a violência policial, lembrou que a polícia mata na periferia, mas não faz nada com os chefes do tráfico, que podem estar no bairro rico ou até no congresso nacional.
Após o debate, os encaminhamentos foram o seguintes: realizar um encontro ou audiência pública com representantes da segurança pública (Brigada Militar e Guarda Municipal) pra falar diretamente sobre o que sofrem; um encontro de usuários do SUAS em Agosto para se organizarem melhor; e na semana entre 20 e 24 de Agosto, na semana de luta da população de rua (em memória do massacre da Sé no Rio), realizar uma atividade de instauração do fórum de usuários em São Leopoldo.
O encontro foi finalizado com ênfase em não aceitar a invisibilidade pra fazer ser ouvido, pressionar o governo municipal para fazer diferente e lutar, pois só com luta se conquista direitos.
*Os nomes foram alterados para evitar a exposição das pessoas.