Texto da Resistência Popular Estudantil – Floripa.
Antonio José de Pinho é um professor de Português e estudante de doutorado em Linguística na Universidade Federal de Santa Catarina. No dia 05 de junho, ele publicou o artigo de opinião “Por que a UFSC não retorna suas atividades?“, em que defende que o verdadeiro motivo para a ausência de ensino remoto é a vontade de professores tirarem “férias fora de época”.
Após a repercussão bastante negativa de seu texto na comunidade universitária, que incluiu uma resposta pública da Representação Discente de seu curso desmentindo suas alegações, Pinho foi novamente ouvido pelo jornal, retratando no título seu discurso de que está sofrendo assédio moral e que não há espaço para a “pluralidade de pensamento”. O estudante ainda aproveitou o jornal para reverberar sua ameaça de processo às estudantes que se opuseram a ele.
A Associação de Pós-Graduandas e Pós-Graduandos da UFSC (APG), em nota recente, denunciou que foi buscada pelo jornal, mas apenas para dar um depoimento de crítica à universidade por não ter adotado o ensino remoto. A posição da entidade, que representa uma categoria de mais de 14 mil estudantes – entre eles Antonio Pinho – não foi contemplada no veículo. Segundo a APG, a mídia empresarial catarinense está bastante empenhada em atacar a universidade a partir do ponto de vista de setores patronais como o grupo “Floripa Sustentável”, citado em várias matérias recentes.
Porém, cabe além disso perguntar: Pinho é apenas mais um estudante cujas opiniões estão alinhadas ao empresariado local? Ou há algo mais a ser analisado sobre o espaço que ele vem recebendo?
Uma figura carimbada na política universitária e florianopolitana
Antonio José de Pinho ficou bastante conhecido na universidade por ter criado os grupos Juventude Conservadora da UFSC e UFSC Conservadora em 2012. Após meses utilizando as páginas para disseminar conteúdos como o ódio a gays e lésbicas e o repúdio às cotas raciais, Pinho recebeu uma notificação da Coordenadoria de Processos Administrativos Disciplinares da UFSC exigindo que parasse de utilizar o nome da universidade e tirasse o site do ar. O caso ganhou repercussão nacional, sob a acusação de Pinho de que sofria perseguição.
Em 2013, Pinho ajudou a organizar uma manifestação contra a vinda de Cesare Battisti na UFSC. Entre os demais organizadores, estava a então estudante Ana Caroline Campagnolo, atual deputada estadual bolsonarista em Santa Catarina que ganhou renome nacional pelas sucessivas campanhas de censura e denúncia contra professoras.
O estudante realizou seu mestrado em Linguística na UFSC entre 2010 e 2012, orientado por Felício Margotti, então diretor do Centro de Comunicação e Expressão, com quem já havia pesquisado junto desde a graduação. Segundo ele, teve sorte de encontrar “um orientador não ideológico“. Curiosamente, esse professor “não ideológico” foi também Pró-Reitor de Graduação e, no contexto de uma ocupação estudantil à qual se opunha politicamente, agrediu um estudante e tentou empurrá-lo da escada – motivo pelo qual enfrentou uma campanha por sua exoneração.
Durante o processo de seleção para o doutorado em Linguística que o estudante tentou para 2014, Pinho chegou atrasado, foi impedido de fazer a prova e ameaçou agredir uma professora presente. Segundo a ata do processo de seleção, ele teria “proferido ameaças que fizeram com que a segurança da UFSC fosse acionada. Os seguranças contiveram o candidato e a professora, após a realização da prova, registrou boletim de ocorrência junto à Polícia Civil e, posteriormente, junto ao Departamento de Segurança da UFSC, pelas agressões e pelo desacato sofridos”. É apenas vários anos após o episódio que Pinho volta a ingressar no programa.
Em um vídeo de 2016, Pinho entrevista o professor Marcelo Carvalho, do Departamento de Matemática da UFSC, junto a João Victor Gasparino da Silva. Gasparino, também membro do site UFSC Conservadora, ganhou renome nacional em 2013, após um texto seu ser divulgado nas páginas da Revista Veja e no portal G1, no qual respondia a um professor que supostamente havia pedido pela realização de um trabalho sobre Karl Marx. O professor Marcelo Carvalho, tratado como referência pelos jovens no vídeo, é um defensor aberto do integralismo, a versão brasileira da doutrina fascista, como pode ser atestado pela letra sigma na parede de sua sala, vista ao fundo no vídeo, símbolo da ideologia de extrema-direita. Outros vídeos do professor podem ser encontrados no canal de youtube UFSC Conservadora.
O que o estudante defende
Uma análise mais detida do blog pessoal de Antonio Pinho, assim como das páginas da UFSC Conservadora e Juventude Conservadora da UFSC, são reveladoras.
Segundo Pinho, seu “bisavô era conhecido na região onde morava por ser muito bondoso com seus escravos“ e, na decisão pelas ações afirmativas, o STF “reescreve a história e demoniza os antigos escravocratas (…) como se todo proprietário de escravos fosse essencialmente cruel no relacionamento com seus negros”. Para ele, o “imaginário do senhor de escravo cruel foi sendo progressivamente construído, porém não tem embasamento histórico”.
Em um artigo escrito em 2013, Pinho acusou um ato feminista em Florianópolis de instigar “as mulheres a destruírem suas famílias por qualquer motivo” e de ser “uma manifestação local de tudo o que defendem os globalistas instalados na ONU, que trabalham dia e noite pelo advento do satânico e totalitário governo mundial”. Segundo ele, o feminismo é um “vírus destinado a destruir o Ocidente cristão” e “gayzismo, movimentos indígenas e negros” também são “meios que o marxismo cultural tem se usado em sua tarefa de corrosão da sociedade”.
Em um texto no qual relata a criação da Juventude Conservadora da UFSC, Pinho relata os objetivos do grupo em realizar uma “verdadeira guerra cultural de longo prazo contra a guerra cultural silenciosa do marxismo” e “defender os valores legados pela civilização Ocidental Cristã”. O site do grupo, criado em junho de 2012, havia sido retirado do ar em agosto do mesmo ano, mas supostamente retornou em 2013 e ainda pode ser acessado atualmente.
Por fim, ele defende ainda que o aquecimento global é “uma mentira“; que “vacinas provocam mais efeitos colaterais nocivos que benefícios à saúde“; que a aprovação do casamento gay tem por objetivo a “redução da população“; e que a “meta última” do movimento gay é a “aceitação da legalização da pedofilia“.
O que espera o jornal Notícias do Dia?
Como vimos, o jornal Notícias do Dia fez muito mais do que apenas encontrar um estudante que pudesse reforçar a narrativa e os interesses dos patrões da cidade, de que as aulas devem voltar remotamente de qualquer forma, o quanto antes. O jornal escolheu um estudante ultra-conservador, violento, extremamente racista, misógino e homofóbico, cujas referências políticas flutuam entre o monarquismo, o integralismo e Olavo de Carvalho.
Por que essa figura volta a aparecer no debate público da cidade justamente em 2020, ano eleitoral? Será por isso que Pinho criou uma página do facebook em seu nome recentemente, onde dissemina postagens de Olavo de Carvalho, em defesa do agronegócio, da monarquia, de privatizações, onde faz críticas ao movimento negro e também ao isolamento social na pandemia? E, se for esse o caso, o jornal Notícias do Dia está ciente de que está dando plataforma para ampliar o alcance de um defensor dessas ideias?
A função social do jornalismo de informar a população, fomentar debates na sociedade e investigar os poderosos não poderá nunca existir dentro da atual estrutura empresarial, em que os interesses econômicos ditam, em última instância, toda a linha editorial. É papel de todas e todos nós criar outros veículos, iniciativas, por uma mídia a serviço das classes oprimidas!
As fotos foram retiradas deste texto de Lola Aronovich.
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