Por que olhar para a filmografia dos diretores é interessante?

Nesses dias, eu e minha companheira Eve, em mais uma sessão de cinema, decidimos assistir a um filme do Alfred Hitchcock, que gostamos muito. O filme em questão, que será objeto desta coluna numa próxima ocasião, era Intriga internacional, de 1959. Grande filme, com aquela típica construção de suspense numa conjuntura de Guerra Fria, o mundo dos espiões, e tudo mais.

Mas o que quero tratar aqui não é o filme em si, mas um procedimento de crítica (seja ela de cinema, de literatura, de arte etc.) que é interessante e elucida questões: ver que posição a obra ocupa na carreira artística da pessoa, neste caso, na filmografia, ou seja, o conjunto de longas dirigidos pelo diretor britânico ao longo de sua vida. Me dei conta de que o filme é de 1959, o que significa dizer que está exatamente no meio, entre Um corpo que cai (1958), que pra mim é o melhor do Hitchcock, e Psicose, 1960, que é talvez o mais famoso, e também um grande filme.

Perceber isso é interessante porque temos a noção do que o artista, enquanto sujeito, já havia produzido até então, e como se desenvolve ao longo do tempo, aprimorando coisas, firmando seu estilo. Certamente há algo de Um corpo que cai em Intriga internacional, aquele jogo de identidades, a suspeita recaída sobre um duplo, a duplicidade e as tensões envolvendo isso. E também podemos pensar que há algo de Intriga internacional, e também de Um corpo que cai, no Psicose.

Esse procedimento de voltar os olhos à obra do artista enquanto conjunto nos permite ver, por exemplo, que Stanley Kubrick possui duas fases claramente distinguíveis, a saber: uma primeira que vai de meados dos 1950 até 68, quando lança 2001: uma odisseia no espaço, seu primeiro longa colorido, e a que se segue a partir de então até De olhos bem fechados (1999), que Kubrick não viu passar na telona porque morreu durante a montagem. A primeira fase é toda em preto e branco, portanto, muito prejudicada em se tratando de Kubrick, que usa as cores de forma muito hábil para criar sensações e ambiências nos filmes. Mas há coisas em comum, como os belos e criativos enquadramentos, câmera na mão, câmera subjetiva. Kubrick, antes de estrear com os bons curtas O padre voador e O dia da luta, era fotógrafo; daí talvez venha a noção que tem de espaço, de simetria, e tudo num gradiente de cores muito grande, sempre empregando um detalhe a mais no quadro.

Assistir aos curtas dos grandes diretores é uma opção muito interessante, embora muitas vezes de difícil acesso e sem legendas em português, é bom que se diga – no Youtube há vários, como o já comentado aqui Cabeças falantes, do Kieslowski, este sim legendado em português. Pra além disso, também nos informa da juventude artística dos diretores, sendo então possível estabelecer uma linha evolutiva e ver cronológica e historicamente a obra de grandes artistas. Do ponto de vista histórico, ainda mais para diretores como Hitchcock, que começou a produzir na década de 1920 e foi até meados de 1970, ou seja, pegou o período entreguerras, e justamente por isso ele dirigiu um filme chamado O pensionista, que é um longa que dialoga diretamente com os expressionistas alemães, Fritz Lang, Murnau, cujos impulsos históricos vêm do terror da I Guerra Mundial; já nos anos 50, 60 e 70, é a Guerra Fria, é o mundo da espionagem que dão o tom histórico.

Rodrigo Mendes