Em junho desse ano, o STF começou a discutir a ADPF 635, que suspende as operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia. A ADPF se tornou pauta em função do assassinato de diversas pessoas em ações da polícia nas periferias fluminenses, entre elas João Pedro, morto dentro de casa por policiais em São Gonçalo, em uma época em que o assunto do momento era a #FiqueEmCasa.
A partir disso, começa-se a questionar a prática da Polícia Militar nas comunidades. Truculentas, perigosas e assassinas já em contextos normais, durante a pandemia, quando um número maior de pessoas estava em casa, suscetível às violências decorrentes desse tipo de prática policial, as operações se tornaram verdadeiras chacinas de inocentes.
ADPF 635 na prática
O Rio de Janeiro não chegou a conhecer os efeitos da medida. Os números fornecidos pela própria Polícia Militar mostram que as operações em favelas continuaram. Apenas um mês após a decisão do STF, a PMERJ realizou ao menos 71 incursões em favelas, segundo o Observatório de Segurança do Rio de Janeiro, dados de agosto. O aplicativo Fogo Cruzado RJ, no mesmo período, registrou 141 trocas de tiro envolvendo a Polícia Militar, das quais 123 pessoas acabaram mortas.
Nos meses seguintes, a ação policial continuou. Em junho 34 pessoas foram assassinadas pela Polícia no Rio, em julho houve um aumento de quase metade desse número, com 50 pessoas perdendo a vida em ações policiais, segundo o Instituto de Segurança Pública.
Em agosto, uma das situações que mais chama atenção é a ocupação policial do complexo do Viradouro, em Niterói. O 12º Batalhão chegou a falar em uma operação de 3 fases, contando inclusive com o Batalhão de CHOQUE, para, segundo o Coronel Sylvio Guerra, “recuperar o território”. A realidade é que a pacificação da Viradouro não está tendo nada de pacífica. Invasões de residência, agressões físicas e verbais contra moradores e moradoras e até casos de tortura foram denunciados pela Rio On Watch. Mega operações também foram registradas na Maré e na Mangueira, zona norte do Rio, em outubro.
Última semana
Os últimos dias foram de dor e revolta no Rio. Primeiro, uma operação policial tirou a vida de uma mulher grávida em Madureira, e ainda deixou ao menos 3 pessoas feridas, entre elas crianças. Também há denúncias de que um homem foi baleado por munição letal durante protesto contra a ação da Polícia Militar no local. O fato da Polícia ter “trocado” tiros em um local de alta circulação de pessoas mostra claramente que, para as forças de segurança, todos que residem nos locais mais pobres da cidade são ameaças em potencial à Segurança Pública, e portanto suas vidas não valem nada.
Outro caso revoltante que chamou atenção ocorreu em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Uma ronda policial na comunidade do Barro Vermelho terminou com duas crianças baleadas na porta de casa. Emily e Rebeca, de 4 e 7 anos respectivamente, brincavam na porta de casa quando policiais abordaram dois homens em uma moto, em meio a uma área residencial com pessoas na rua. Houve disparos, que até então não se tem confirmação se partiram da moto, e as duas meninas foram atingidas, e não resistiram aos ferimentos. Emily faria 5 anos no próximo dia 23, se a política de segurança pública a tivesse poupado.
Isso precisa parar
A realidade é que se o Estado e o Judiciário de fato se importassem com a vida da população do Rio de Janeiro, sobretudo das áreas mais pobres, já teriam feito uma intervenção na atuação da Polícia Militar há bastante tempo. A suspensão das operações nas favelas não veio de bom grado pelos ministros do STF, ela foi conquistada pela pressão dos coletivos e movimentos atuantes nas favelas fluminenses. Na época chegamos a cobrir uma dessas mobilizações, protagonizada pelos coletivos Macacos Vive, Entre Amigos e Movimento de Organização de Base, após o assassinato do menino Caio, enquanto participava de um torneio de futebol no Morro dos Macacos.
Apesar de ser uma importante conquista, essa suspensão não está sendo cumprida na prática. É preciso continuar fiscalizando e denunciando os descumprimentos, e seguir nos organizando para lutar contra a política de extermínio do estado do Rio de Janeiro posta em prática pela Polícia Militar. A luta só pode acabar quando a violência policial acabar.