Texto de Julia Aguiar
Caio Viera da Silva, de 20 anos, foi assassinado na última sexta-feira (14), em ação da Polícia Militar (PM) no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. A ação aconteceu no meio de um torneio de futsal, intitulado de “sub18”, evento com mais de 10 anos de história na comunidade, que reúne jovens menores de 18 anos em partidas de futsal com o objetivo de fomentar o esporte dentro da comunidade.
“Graças a Deus meu filho veio pra casa mais cedo nesse dia, mas eu conhecia Caio profundamente, era amigo íntimo do meu filho. Menino bom, trabalhador, honesto, é muito triste, a família não consegue entender o porque de sua morte”, afirma moradora que prefere não ser identificada. Os moradores do Morro dos Macacos temem retaliação da Polícia Militar carioca caso falem com a imprensa, algo dito por diversos entrevistados.
Segundo o advogado Vítor Bernardo, fundador do coletivo Macacos Vive, “os policiais invadiram a quadra, atirando e jogando bombas de efeito moral, ocasionando a morte de duas pessoas. O Caio foi arrastado por mais de 100 metros, ele tomou quatro tiros, até sua camisa saiu enquanto era arrastado pela comunidade”, afirma em entrevista ao Repórter Popular.
“A UPP afirmou que estava sendo divulgado na mídia que teria um ataque na base da UPP, porém é mentira. A polícia aproveitou a rua lotada e as crianças estarem na rua, pra usar de bote. Eles sempre fazem isso, já mataram na comunidade outras três pessoas desse mesmo jeito, vieram por de trás do muro estourando em um beco. Dessa vez a rua estava muito cheia, foi aí que o Caio foi assassinado, tentaram falar que ele estava armado, mas já foi provado que é mentira isso”, conta um morador que prefere não ser identificado.
O Coletivo Macacos Vive e Entre Amigos – Morro dos Macacos, se organizaram na última quarta-feira para recolher assinaturas dos moradores para um abaixo assinado que será enviado ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), para que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635) seja cumprida. A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, em 5 de junho deste ano, determina a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do novo coronavírus. Segundo a decisão do ministro, operações que ocorrem neste período devem ser justificadas por escrito pela Polícia Militar e entregue ao Ministério Público Estadual, órgão responsável pelo controle das atividades policiais.
A ADPF 635 foi tomada a partir de uma notícia-crime entregue ao STF pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), questionando a política de segurança do governador Wilson Witzel, segundo a legenda durante a audiência pública, as ações “expõe os moradores de áreas conflagradas a profundas violações de seus direitos fundamentais”.
O ministro Fachin, afirmou em sua decisão que o uso da força só é legítimo se comprovado necessário para a proteção da população, “se os protocolos de emprego da força já eram precários, em uma situação de pandemia, com as pessoas passando a maior parte do tempo em suas casas, eles se tornam de utilidade questionável e de grande risco”, afirma Edson Fachin.
“Eles (polícia) chegam de maneira agressiva. Eles não nos respeitam enquanto moradores e não entendem que estão no nosso território, é o que eles impõem. E, o pior é que existe um protocolo. Mas que protocolo é esse? Ninguém explica pros moradores isso, a maneira que eles abordam é muito agressiva, a polícia diz que é o protocolo. O que eu fico pensando é: então quer dizer que qualquer pessoa que mora na favela é suspeito? Esse é o protocolo?”, conta Elaine, de 39 anos, moradora desde criança do Morro dos Macacos, em entrevista ao Repórter Popular.
“Eu sou uma mãe preta com quatro filhos adolescentes. É uma luta constante, eu não durmo, busco meus filhos em qualquer lugar pós meia noite, uma mãe preta não tem sossego dentro da comunidade. Tu imagina, é o tempo todo “cadê o documento?”, agora vou começar a tirar os bolsos da calça e short, assim não tem como forjarem meus filhos durante a ação policial. Você não tem paz, meus filhos estão na casa deles, na comunidade em que foram nascidos e criados e não são respeitados. Eles são julgados o tempo inteiro, crianças que trabalham desde os 15 anos, que meus filhos trabalham desde os 15”, conta uma mãe que prefere não ser identificada.
Imagens: Ale
Edição e reportagem: Julia Aguiar