O ano começou trazendo dor e tristeza para a população das áreas mais pobres do Rio. Nesse dia 2 de fevereiro, Ana Clara, uma criança de 5 anos, brincava no portão de sua casa, em Niterói, quando foi atingida por um tiro, na frente de seu primo. A Polícia Militar fazia uma operação na região e admitiu ter disparado, supostamente na direção de suspeitos. Apenas um dos policiais que participava da ação foi preso.
No dia 30, o gari Marcelo Almeida, de 39 anos, foi morto com um tiro nas costas na Vila Cruzeiro, também durante atuação da Polícia Militar na comunidade. A esposa de Marcelo aparece em um vídeo disponibilizado pelo Voz das Comunidades demonstrando extrema indignação com a política de segurança pública do governador em exercício Cláudio Castro. “Queremos audiência com ele. [Ele] matou um trabalhador! […] Vai voltar as aulas, começa o tiroteio, as mães começam a chorar.” – diz ela no vídeo.
O ano de 2021 começou com números alarmantes. Apesar da proibição das operações policiais conquistada pela pressão dos movimentos comunitários, com a luta pela aprovação da ADPF 635, o governo do estado segue mantendo a atuação da PMERJ nas favelas sem qualquer justificativa plausível ou sequer respaldada pela legalidade. Só no mês de janeiro tivemos 127 tiroteios com participação direta da Polícia Militar. Além disso, 11 pessoas morreram vítimas de “balas perdidas” na Região Metropolitana do Rio, segundo dados são do Fogo Cruzado RJ referentes ao mês de janeiro. Em fevereiro, ao menos 18 pessoas já morreram em trocas de tiro decorrentes da atuação da PMERJ. Esta matéria está sendo escrita na tarde do terceiro dia do mês.
O governador Cláudio Castro ainda não se pronunciou sobre os assassinatos promovidos pelas forças de segurança do seu governo, nem tampouco sobre os desrespeitos claros à ADPF 635, que proíbe operações policiais em favelas no período da pandemia.
A política de segurança pública do Rio de Janeiro, que é a defendida também pelo governo federal, pautada na repressão armada ao crime organizado em áreas residenciais, anda de mãos dadas com o fim do auxílio emergencial, com a volta às aulas presenciais, com o não adiamento do ENEM e demais vestibulares, com o controle pífio da pandemia que foi realizado pelo governo federal e pelo governo do estado no último ano. Todas essas medidas juntas configuram a agenda política em vigor no Brasil, e que precisa ser enfrentada não apenas por conta de discordâncias, mas por conta de sobrevivência. O enfrentamento a Bolsonaro, a Cláudio Castro, à militarização da cidade e da vida representada pela PMERJ é uma questão de autodefesa.
Para além do enfrentamento aos políticos, é necessário enfrentar a política de morte. Não deixar que mude os atores e não mude o roteiro. Nesse sentido se faz fundamental o fortalecimento dos movimentos comunitários que estão na linha de frente do combate à violência policial e ao Estado de exceção que vivemos desde 1500 nesse país. Só o povo organizado consegue reverter esse quadro, por meio da luta, e encerrar esse ciclo de violência, sangue e morte do qual foram vítimas Marcelo Almeida, Ana Clara, Rafael Capela e muitos outros nesse ano que apenas começou.