28 de setembro – Dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina

Mulheres Resistem – RJ

O dia 28 de Setembro é, simbolicamente, o Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, escolhido durante o V Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, em 1990, na Argentina.

No atual cenário de avanço do conservadorismo, e mais precisamente, durante o período eleitoral, a pauta do aborto é afastada da discussão, principalmente da saúde e tratada com um viés moralista que criminaliza a decisão das mulheres sobre seu corpo e negligencia suas vidas.

Em uma sociedade ainda construída por premissas conservadoras, a educação sexual em escolas causa repulsa, as desigualdades são insistentemente ignoradas, o sistema de saúde pública é cada vez mais sucateado e o planejamento familiar negligenciado, diante de uma realidade de um grande número de famílias sem estrutura. Além disso, a realidade social é de precárias condições de vida, que não permitem uma maternidade digna mesmo para aquelas que gostariam de escolher o caminho de se tornarem mãe. O alto preço dos alimentos, a ausência de creches, as múltiplas jornadas de trabalho, a realidade da violência policial nas periferias que destrói a vida de muitos filhos de mulheres negras e pobres, são fatores que tornam a escolha da maternidade muitas vezes uma escolha impossível. Neste quadro, manter o aborto como uma prática criminalizada ao mesmo tempo em que não há real condições para uma vida digna é apenas mais uma forma de escancarar a hipocrisia e a maldade inerente ao Estado, ao Sistema Capitalista e seus tentáculos, isto é, as diversas formas de opressão.

O alto índice de abortos induzidos no Brasil e no mundo é uma realidade acompanhada pelo alto índice de mortes de mulheres, principalmente negras e pobres, que se submetem a processos clandestinos e sem o mínimo de segurança. A sociedade vigente, sustentada pelo patriarcado e o racismo estrutural, joga sobre as mulheres a maior parcela da responsabilidade e o fardo de uma gravidez indesejada. São as mulheres as reais penalizadas e julgadas quando fazem a difícil escolha de abortar, tirando grande parte e, muitas vezes, ausentando a responsabilidade dos homens nesse processo. E quando falamos de criminalização do aborto, nos referimos diretamente às mulheres encarceradas e às diversas violências elas sofrem dentro das prisões brasileiras: negligência médica, o abuso sexual, retirada dos direitos reprodutivos e autonomia de seus corpo, etc.

Nesse sentido, é fundamental destacar a discriminação sistemática que mulheres trans e travestis enfrentam nos serviços e equipamentos de saúde, se deparando muitas vezes com a falta de qualificação dos profissionais que não raramente patologizam suas identidades, não usam seus nomes sociais e até deixam de examinar seus corpos. A transfobia estrutural é um fator que não pode ser ignorado quando se tenta explicar o descaso médico com suas vidas e o porquê da expectativa de vida dessas mulheres ser de 35 anos de idade no Brasil.

As mulheres negras, indígenas e em situação de rua também têm a autonomia sobre seus corpos constantemente desrespeitada. Sofrem violência obstétrica em taxas muito mais altas, são alvo de práticas eugenistas de esterilização forçada até hoje, através de procedimentos de ligação de trompas (laqueadura) não consensuais, como no caso da sem teto Janaína Aparecida Querino e muitas outras que nem tiveram suas historias contadas até hoje. Essa prática, junto com a criminalização do aborto e com “a guerra às drogas”, são medidas que fazem parte de um projeto do Estado de extermínio do povo preto, periférico e pobre. O atual governo defende que “a esterilização de pobres e miseráveis é um recurso necessário para o combater miséria e o crime”. Ao invés de instituir políticas públicas que promovam o acesso irrestrito de todos e todas à saúde publica e à educação sexual, o que temos hoje são políticas públicas de branqueamento da população brasileira, dado seu racismo estrutural enraizado desde a colonização e época da escravatura.

Do outro lado, o puritanismo conservador do Estado faz questão de retirar a autonomia dos corpos femininos, dificultando a implementação do aborto seguro, minando ideologicamente a possibilidade do debate por meio de argumentos falaciosos e de viés moralista e religioso. Em suas propostas, o movimento “Pró Vida” só se preocupa com que a criança nasça, mas não com as condições de vida da mãe e da criança. É um discurso cheio de contradições, daqueles que querem que as mulheres negras e pobres morram fazendo um aborto ilegal, e que seus filhos/as morram também, pois são filhos de mulheres faveladas, “indesejados”! Não é “pró-vida”, é contra a vida das mulheres e do povo preto!

Direitos reprodutivos, maternidade e paternidade:

O aborto não é um método contraceptivo, sendo assim, os preços dos anticoncepcionais devem ser também mais acessíveis, permitindo que as mulheres se protejam, escolham e usem os métodos de contracepção que mais lhes convenham, embora não sejam 100% seguros. As mulheres também devem ter acesso a uma boa educação sexual e reprodutiva nas escolas e postos de saúde, principalmente na infância e na adolescência. Com o aumento geral do custo de vida e o sucateamento do SUS, as mulheres tem automaticamente menos acesso a métodos contraceptivos, indo do preservativo, passando pela pílula contraceptiva, DIU (e outros) até a pílula do dia seguinte. Se as mulheres são demitidas a cada vez mais e o custo de vida aumenta, elas têm ainda menos o controle sobre seus corpos e seus direitos reprodutivos, suas vidas.

Ainda há que se problematizar todas as dificuldades que uma mulher que já é mãe tem em fazer procedimentos de laqueadura (esterilização voluntária), pois até recentemente, as mulheres casadas e com filhos, deviam ter a autorização do marido para realizar o procedimento, ao passo em que os homens tem direito e acesso à vasectomia, ou seja, a escolha da não-paternidade, trazendo a tona a desigualdade da decisão (ou não-decisão) na hora de ter um filho.

O dia de hoje é um dia de enorme importância para lembrar a urgência dessa pauta. Entretanto, só a organização e a luta cotidiana nas ruas e nos lugares de inserção (local de trabalho, estudo, moradia, movimentos sociais) poderão trazer resultados concretos para que nós, mulheres, possamos conquistar o comando do nosso próprio corpo e do nosso direito reprodutivo. Sendo assim, lutemos para a construção do poder popular, lutemos para continuarmos vivas, lutemos por nós e por todas que se foram vítimas fatais de abortos clandestinos. Lutemos não só no dia 28 de Setembro, mas até que estejamos, de fato, livres, e quando estivermos livres, continuemos lutando para mantermos nossa liberdade!

PELA DESCRIMINALIZAÇÃO E LEGALIZAÇÃO DO ABORTO JÁ! É PELA VIDA DAS MULHERES! NOS QUEREMOS VIVAS!!