Um respiro de sanidade: as Greves pela Vida no Brasil

Por Mariana Espíndola

A gente sabe que tá tudo um caos no país. Depois de décadas de uma frágil democracia, vivemos um Golpe em 2016, e agora um governo de extrema direita eleito com base em mentiras e incitação ao ódio. Sabemos que esse governo não teve a mínima capacidade de negociar a compra de imunizantes contra a Covid-19 (basta acompanhar um pouco a CPI). Já tivemos aproximadamente 450 mil mortes, quando sabemos que esses números não são exatos, quantas gentes não devem ter morrido nas vilas, favelas e sertões sem notificação? Por mais que fiquem fazendo um jogo de responsabilidades, fica visível que governos federal, municipais e estaduais estão orquestrados numa questão: não se importam com a vida (nem com a educação) de brasileiras e brasileiros.

Estados e municípios estão realizando uma política irresponsável de retorno às aulas presenciais sem o mínimo de condições sanitárias. As máscaras distribuídas para os profissionais da educação são, em muitos casos, máscaras de procedimento comum, que não previnem a infecção pelo novo coronavírus. Aliás, essas máscaras também estão sendo distribuídas pelas unidades de saúde a pacientes com suspeita de contágio.

As poucas tentativas de melhorar um pouco as coisas, esbarram na Presidência da República, ocupada por um ser covarde e sem escrúpulos, a exemplo do PL (projeto de lei) da conectividade votada pelo Senado, que previa banda larga e equipamentos para os estudantes pobres manterem-se no ensino remoto enquanto não for seguro o retorno. O alegado foi a falta de recursos, que também é a resposta para a não compra de vacinas e fornecimento de EPIs adequados nas unidades de saúde e educação. A gente também sabe de onde vem isso, né?! Da famosa EC (emenda constitucional) 95, aprovada no governo golpista em 2017 e que, quando ainda era projeto, foi chamada de PEC da morte. A gente sabe de muita coisa, mas parece que estamos numa sinuca de bico, o poder é demasiado grande, não temos pra onde correr.

Nesse contexto tão difícil, as greves da educação que se mantém firmes parecem ser um respiro de sanidade em meio à insanidade que debocha da morte sem dar valor algum à vida. No dia 20 de maio, o município de São Paulo completou 100 dias de greve. Segundo o Sindsep, são 12 mil trabalhadoras e trabalhadores em greve que reivindicam teste pra toda comunidade escolar, vacina, EPIs, tablets e adequação das unidades. Em Florianópolis, são quase 60 dias de greve com muita resistência, debates, audiências judiciais e total recusa do Executivo em negociar. Com essas greves foi possível perceber que durante o ano de 2020 as escolas ficaram abandonadas. Os governos queriam que os profissionais voltassem sem as mínimas condições de trabalho. Há uma pressão grande para o fim da greve em Florianópolis e, já que o Executivo não se propõe a negociar, houve (como em outros lugares) uma judicialização da greve. Há uma proposta que foi votada em assembleia pela categoria na sexta (21) e que será levada à audiência de conciliação na quinta (27). Não é a proposta ideal, mas é um caminho do meio diante de tanta pressão e negação.

As greves, ainda que com dificuldades, se espalham pelo país. O Estado do Acre entrou em greve no dia 12 de maio. Paraná no dia 5. Em Pernambuco, a greve já dura mais de mês. Em Porto Alegre a Greve foi considerada ilegal pelo Tribunal de Justiça (em Florianópolis também tinha sido, mas felizmente nem todos os juízes têm esse prazer em destruir trabalhadores). Ora, para o Estado é ilegal querer viver. Em Santa Maria (RS) a greve começou em 18 de maio. Belo Horizonte também está em greve. Em Campos (RJ) a assembleia aprovou a greve no dia 20 de maio e uma das reivindicações para o retorno ao trabalho é a imunização com as duas doses da vacina para os profissionais da educação. Em Araraquara a greve completou um mês no dia 17 de maio. Uma das características comuns de todas essas greves é a recusa dos governos em negociar e a tentativa de jogar as greves mais justas que poderiam haver (pela vida) na ilegalidade. Essas cidades e estados que citei dizem respeito apenas a um breve recorrido que fiz pela internet, esse movimento vai continuar, porque temos direito de viver e trabalhar com um mínimo de segurança.

Em alguns lugares, como o estado da Bahia, há estado de greve, pois os governos ainda não tiveram a cara de pau de retornar ao ensino presencial em meio à pandemia desgovernada. Por mais difícil que seja, essas greves mostram que as professoras e professores continuam organizados mesmo diante de todos os ataques que vêm sofrendo. Elas mostram a importância de se ter sindicatos fortes. Não podemos nos resignar, nos acostumar à morte e ao escárnio. O apelo geral que se faz é a solidariedade, mas não podemos cair na onda da caridade enquanto perdemos direitos. A pergunta que me faço é: até onde vamos aguentar? Precisamos nos unir mais, confiar mais uns nos outros, nos reconhecer como classe. Enfim, a gente sabe disso também. Mas pra mim está sendo um grande aprendizado. Por mais difícil que seja o autoconhecimento em meio a um contexto tão difícil, nunca me percebi tão fortemente como uma mulher da classe trabalhadora.

Texto de opinião de Mariana Espíndola, professora grevista, escrito em 23/05/2021.