Repercussões e análises sobre gestos racistas em live da SME de Armação de Búzios

Do Repórter Popular – Baixada Litorânea (RJ)

Apesar do movimento negro marcar como principal data de luta o 20 de novembro (que é o Dia da Consciência Negra), 2021 teve outro dia, o 13 de maio (que marca a abolição da escravidão), como palco de muitos protestos antirracistas, principalmente pela ocasião da chacina ocorrida na favela do Jacarezinho.

A educação também é parte dessa trincheira de luta antirracista e movimentos, sindicatos e entidades sintonizados com essa perspectiva vêm reafirmando a necessidade de atenção para esse tema.

No mês passado, a Secretaria Municipal de Educação da cidade de Armação de Búzios realizou uma live chamada Educação em tempos de pandemia. Organizada pelo Instituto Conhecer, a atividade foi marcada por gestos racistas e a individualização de problemas estruturais da educação.

No evento on-line, o palestrante Dalmir Sant’anna vestiu uma máscara caricaturando o fenótipo negro e uma peruca. O palestrante ainda associou esta imagem a uma suposta preguiça de alguns trabalhadores da educação. O gesto causou revolta nos professores e entidades organizadas, que lançaram uma nota.

Repercussão negativa foi grande

Depois da grande repercussão, a Secretaria Municipal de Educação de Armação dos Búzios e as entidades envolvidas na atividade “Educação em tempos de Pandemia” se posicionaram oficialmente sobre o gesto racista ocorrido numa de suas lives.

Mais de trinta sindicatos e entidades organizadas se manifestaram em repúdio a ação de Dalmir e a atividade mediada pela Secretaria Municipal de Educação e o Instituto Conhecer. Entre as entidades que se posicionaram, destacam-se organizações históricas da luta da população negra e quilombola, como o Movimento Negro Unificado e o Quilombo de Baía Formosa, Associação dos Remanescentes do Quilombo de Baía Formosa.

Nota da SME de Búzios e do Instituto Conhecer preocupa

A Secretaria de Educação, Ciência e Tecnologia de Armação dos Búzios afirmou que “vem a público repudiar veementemente todo e qualquer ato de discriminação racial e de intolerância que por ventura tenha ocorrido durante o Encontro dos Profissionais de Educação” e afirma que tal “prática seria inaceitável e sempre será firmemente combatida por esta instituição”.

A secretaria também afirma que “jamais deixará de se pronunciar diante situações deste gênero”. Já o Instituto Conhecer disse que “repudia veementemente qualquer tipo de preconceito, seja de raça, credo, gênero, orientação sexual”.

Na nota, o Instituto afirma: “Nos desculpamos com todos profissionais da educação da rede municipal de Armação dos Búzios, que se sentiram ofendidos com o conteúdo da live da manhã do dia 22/04/2020”.

Especialistas e militantes analisam o caso

Marcelo Cortes. Fotografia: Leonardo Santos

Para Marcelo Cortes, pesquisador e militante do movimento negro, “o ocorrido é uma declaração aberta de racismo institucional e um projeto de sociedade que está sendo executado”. O pesquisador aponta que “Precisamos urgentemente estabelecer outros pactos sociais e culturais para desconstruir essas posições. E não deixar de apontar as evidências que este cenário atual tem demonstrado – que este tipo de sociedade que vivemos fracassou como lugar de emancipação social e racial”.

Cortes também ressaltou que esses tipos de “brincadeiras” podem ser enquadradas como racismo recreativo, onde “reforçam o racismo de maneira sutil e cínica, ao tom de brincadeiras”.

Fotografia: acervo do autor. Douglas R. Barros também comentou o caso.

Douglas Barros, pesquisador, militante e autor do livro “Lugar de negro, lugar de branco? Esboço para uma crítica à metafísica racial”, analisou o caso a convite do Repórter Popular. Este afirma que os participantes da live parecem “estar longe do debate efetivo sobre a educação” e “ignoram a pauta racial”. Douglas Barros, que é doutor em Filosofia pela Unifesp, ressalta que o gesto insultuoso de Dalmir é “uma demonstração que é explícita e mais conscientemente racista, o que significa que o racismo está arraigado na estrutura de um ambiente que deveria ser aberto ao diálogo e combate ao preconceito”.

Ambos os consultados pela reportagem afirmam que esse tipo de postura é inaceitável. Douglas também aponta que a live “mais mistifica os problemas da educação, ao dizer que o culpado dos problemas, é aquele que sofre todo o peso da estrutura escolar, que no Brasil sabemos que é precária”.

Fotografia: Reprodução. Livro de autoria de Douglas R. Barros.

Marcelo Cortes, doutor em História pela UFRGS vai pelo mesmo caminho ao afirmar que “se o racismo encontrou no século XIX e XX a eugenia e um lugar que trabalha e reproduz, vários coeficientes, complexos de capitão do mato” (onde o sistema cria esta tocaia inteligentemente sobre todos e todas da sociedade envolvida), para se desenvolver e se sofisticar, no século XXI ele tem encontrado no neoliberalismo enquanto cultura seu maior aliado para continuar esse processo de atualização e normalização do racismo.

Douglas conclui a análise, afirmando que “o ambiente escolar não é o lugar para brincar com uma pauta tão séria que condena milhares de brasileiros ao ocaso” e “devemos repudiar tal ação”.

2 comments

  1. “se o racismo encontrou no século XIX e XX a eugenia e um lugar que trabalha e reproduz, vários coeficientes, complexos de capitão do mato” não entendi bem essa afirmativa. O texto é muito bom. Obrigadaa, como professora, negra e diretora do sindicato dos profissionais da educação, me sinto grata pela matéria.

  2. Olá, aqui é o Marcelo Cortes, que fez a contribuição nestas passagens. Obrigado companheira Martha pela pergunta. Estou desenvolvendo um conceito sobre estas noções, que pergunta, em parte, em meu doutorado. O que quero dizer sobre o que pergunta é: que a história do racismo produz relações que os negros e outros gêneros da questão ( não negros e negras também) são colocados em determinados lugares da sociedade que tem uma aparência e promessa de serem caminhos progressistas (contra o racismo) em um primeiro momento, mas o tempo faz essas ações se tornarem um espaço que marca um beco sem saída para nossas lutas negras emancipatórias (produzindo atualizações do racismo, mas que não vistos e investigados desta maneira, já que sutilmente vão acumulando formas de racismo ainda não identificados sobre o tempo, produzindo sua relação com o futuro, tanto em pequeno prazo quanto de longo prazo). Pesquisei a história da escravidão do Brasil em documentos do século XVIII e XIX no Rio Grande do Sul. Com isso articulo a posição da cultura Kimbundu da África ( quando se perde o elo das responsabilidades comunitárias que atravessam a nossa cultura sobre o tempo) e a contribuição de Frederick Douglas e a negra, anarquista, escravizada Lucy Parsons, autores e autoras que discutem essas noções que estão me servindo de base para produção conceitual que discuto no texto. Espero ter respondido em parte sua pergunta. E parabéns pelas suas lutas e pelo seu engajamento. Abraços.

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