A reedição da infâmia: o “golpe dentro do golpe” e o avanço militarista em contexto de ascenso conservado

A recente veiculação de matérias em periódicos de circulação nacional da grande mídia fazendo menção a vídeos onde militares da ativa das forças Armadas afirmam estar em curso o plano para uma “inevitável intervenção militar” devem servir de alerta para a sociedade. Que se diga desde já e sem rodeios: NÃO PASSARÃO! Ditadura, NUNCA MAIS!

 

Tem se tornado cada dia mais evidente para o conjunto da sociedade que vivemos tempos de ascenso e avanço conservador. Talvez um dos principais indícios para tal afirmação seja o comportamento aberto, direto e agressivo de grupos reacionários e de extrema direita. Um fator que reverbera e faz unidade entre esses setores da sociedade é a sua “neurose militarista”, um comportamento servil que mescla triunfalismo elitista com ufanismo patriótico, dentro de um enredo “mal-dito” que re-edita mitos e traumas de uma sociedade que não acertou as contas com o seu passado ditatorial de 21 anos (1964-1985).

É bem sabido (ou deveria ser!?) que o limitado e inconcluso “processo de transição democrática” vivido pelo Brasil traz em si as chagas do silêncio que foi vetor da “conciliação nacional”. “Conciliação” que abriu espaço para a “retomada da democracia” inicialmente pelas “eleições diretas” e, posteriormente, pela “Constituição Cidadã”.

Uma das resultantes dessa fórmula foi a manutenção do “entulho autoritário” dentro das estruturas burocráticas do Estado (já autoritário por gênese), especialmente dentro dos setores de Segurança (polícias, forças armadas, etc.). Outra resultante foi a continuidade (e fortalecimento) do ideário dos “dois demônios”, ou seja, que durante a ditadura civil-militar brasileira houve apenas dois sujeitos históricos:

  1. “Os mocinhos”: que seriam a maioria composta basicamente pelas elites econômico/empresariais entreguistas e pelos milicos patrióticos defensores da nação contra os perigos da “subversão” de esquerda;
  2. Os “bandidos/terroristas”: que seriam uma minoria violenta disposta a tudo, composta pela esquerda e opositores do regime ditatorial.

Esse “mito dos dois demônios” é um dos mais perigosos legados da ditadura, pois, por um lado diminui a responsabilidade do Estado, das forças armadas e de setores civis que apoiaram o golpe e a ditadura no que toca aos diversos crimes e violações de Direitos Humanos que foram cometidos naquele período (tais como: torturas, assassinatos, “desaparecimentos”, banimentos, etc.); e, por outro, diminui e distorce a Resistência à ditadura que foi levada a efeito por diversas mulheres e homens que não raras vezes entregaram sua vida na luta contra a tirania da ditadura.

Com o acirramento das manifestações conservadoras após o pleito eleitoral de 2014 e, especialmente, após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, ganhou a cena pública um espectro infame que re-edita o “mito dos dois demônios” apontando para a suposta “constitucionalidade” de uma “intervenção militar salvacionista” para “limpar a sujeira da corrupção” e “organizar a casa”, argumentos iguais – ou no mínimo muito semelhantes – aos que foram utilizados pela mesma elite mesquinha que apoiou o golpe em 1964.

Essas manifestações que reivindicam às forças armadas que assumam o seu suposto papel de “guardiões da nação” passaram a ter certo eco dentro da caserna, inicialmente entre setores da reserva e, ultimamente entre setores da ativa. É importante fazer destaque que o próprio governo petista abriu precedente para “aventuras intervencionista” ao editar leis como as de “garantia da lei de da ordem” e “anti-terrorista”, bem como ao utilizar o aparato bélico e logístico das forças armadas na atuação em meio civil.

Com o governo golpista de Michel Temer (PMDB), as forças armadas foram alçadas a uma esfera de poder que não atingiam desde o fim da ditadura, com trânsito liberado e plenos poderes para desenvolver novamente a sua famigerada “comunidade de informação”. Não foram poucas as ações militares em meio civil desenvolvidas pelas forças armadas nesse período de desgoverno Temer. A nível de exemplo, podemos citar diversas ocasiões onde a atuação, exercícios e manobras militares ganharam forte expressão pública: atuação em presídios, policiamento comum (blitz de trânsito, patrulhamento de ruas, praças e parques), ocupação de territórios, etc.

Esse tipo de atuação é uma estratégia presente nos mais elementares manuais militares. Se insere dentro da lógica de disputa pela “simpatia da população”, para que a atuação militarista não seja apenas e somente aceita de bom grado, mas reivindicada. Esse “processo de convencimento” é uma espiral que passa por diversas etapas que não serão desenvolvidas aqui, mas que podem ser percebidas sendo colocadas em prática dia após dia.

As matérias que foram veiculadas em diversos veículos da grande mídia de circulação nacional após a divulgação de vídeos onde dois militares da ativa e de alta patente afirmam que “uma intervenção militar só não é possível, como figura no horizonte de setores expressivos do comando das forças armadas”, se constitui como mais um passo audacioso para a reedição da infâmia “salvacionista” que em 1964 jogou o país em 21 anos de absurda e sanguinária DITADURA. A “estratégia de convencimento” surfa na onda conservadora que solicita “intervenção militar já”, inclusive trazendo novos elementos discursivos, como chamar o que seria a versão século XXI do “golpe dentro do golpe” de “intervenção popular e militar”. Frente a esse cenário é importante manter-se vigilante ao avanço golpista descarado e cerrar fileiras na Resistência. Que se diga desde já e sem rodeios: NÃO PASSARÃO! Ditadura, NUNCA MAIS!

 

[Por Thiago, militante da Resistência Popular do rio Grande do Sul]