Por trás do marketing, Dória pinta em SP o mesmo quadro de Manaus

Ao passo que chegam as primeiras doses da vacina em São Paulo, as aulas presencias são retomadas. Dória, com sua tática marqueteira, procura se distanciar de Bolsonaro e se apropriar de uma vitória que, na verdade é do povo e das instituições de pesquisa tão atacados pelo governador do PSDB.

João Dória não se preocupou em atropelar o cronograma de vacinação nacional que começaria dia 20 de janeiro. Não que haja tempo a ser perdido, mas o objetivo dele foi o acúmulo de capital político desde agora para para se estabelecer como forte candidato em futuras eleições. Isso justifica a maneira como foi televisionada o episódio da primeira aplicação de vacina, com cobertura intensa da imprensa e a figura do governador constantemente enquadrado. A vacina na ocasião não era daquelas prometidas por Dória, mas compradas pelo Governo Federal. A presença do governador playboy (apelido que ganhou quando era candidato a prefeito de São Paulo) na TV o fez parecer que era ele o protagonista daquele momento esperado por todos, ou mesmo como se estivesse realizando algum acinte ao governo federal ou a Bolsonaro.

Não vou afirmar que Dória fez apenas sua obrigação – até porque não fez, o show midiático não é obrigação, é jogo político. O que ele fez foi brincar com o afeto do povo e com nossa percepção da realidade, deformando-a. O clima que se sente em todo canto é de que a pandemia está acabando agora que temos nossa maior arma contra o vírus, porém é justamente nesse cenário de confiança que se afrouxa as medidas de segurança sanitária. Afrouxamento desejado pelos governadores dos estados que priorizarão neste 2021 os ganhos econômicos em seus estados neste período, não muito diferente do que fizeram no ano anterior.

Então, vamos a alguns fatos

O número de mortes e de infectados pelo Coronavírus diariamente tem batido recordes neste começo de ano e registram certa homogeneidade na taxa de transmissão nos diferentes municípios – efeito que pode ser atribuído pela sequência combinada da ocorrência das eleições municipais e das festas de fim de ano. Ao mesmo tempo que esses números aumentam, o Auxílio Emergencial tem confirmado suas últimas parcelas para este mês, tendo seu projeto encerrado. O desemprego segue aumentando, com caso Ford como expoente. O colapso do SUS em Manaus, com perversos pormenores deliberados pelo Governo Federal que foram decisivos na dificuldade de manutenção da vida de pacientes internados e na aquisição de novos cilindros de oxigênio. E por último, o decepcionante dado de que as primeiras vacinas prontas no Brasil podem realizar a imunização de apenas 4% da população elencada como grupo prioritário. Mais vacinas só serão produzidas pelo Butantã mediante aquisição de insumos comprados da China, que segue em negociações pouco objetivas com o Ministério da Saúde de Pazuello.

Voltando à São Paulo, apesar do esforço marqueteiro de Dória em se distanciar de Bolsonaro, devemos notar que a secretaria de educação do estado imputa aos professores, estudantes e outros profissionais da rede pública de educação a presencialidade nas escolas. Então cabe lembrar que essa medida intransigente de retorno das atividades presenciais das escolas se iniciou no Estado do Amazonas, mais fortemente em Manaus, que agora está com seu sistema de saúde colapsado. Diante disso, é plausível levantar a hipótese de que o retorno das aulas, sem desconsiderar outros fatores já mencionados, tenha sido também uma das principais causas da arrancada de transmissão do coronavírus.

Manaus, infelizmente, passa por aquilo que outros estados passarão, uma vez que o número de vacinas disponíveis em vias de fabricação e negociação de compra não dão conta da real demanda da população brasileira. Inclusive, a tendência é que os casos se proliferem com maior celeridade sem o suporte devido do SUS, e ainda mais rapidamente quando se realiza transferência de pacientes de um hospital para outro, levando o vírus para hospitais e regiões próximas que vão, provavelmente, ter seus leitos de internação ocupados também.

Portanto, Dória está pintando em São Paulo o mesmo quadro que ocorre em Manaus ao passo que procura abrir as escolas em vez de propor medidas mais rigorosas contra a pandemia, descartando o lockdown, por exemplo, que se mostrou altamente eficiente na diminuição rápida da taxa de transmissão do vírus. Dória, orgulhoso de se referir enquanto empresário e gestor, parece querer contornar a crise sanitária com marketing, afinal ele bem sabe aquele ditado do “business word”: a propaganda é a alma do negócio.

Texto de opinião de autoria de Rafael Tavares Dias, graduando em filosofia na UNESP e militante da Resistência Popular Estudantil – Núcleo de Marília