Os protestos no Paraguai contra o governo corrupto e a crise na saúde

O texto foi escrito com informações de Victor Jara, militante do Partido Comunista Paraguaio (PCP), cientista político e sociólogo.

Os protestos no Paraguai contra o governo de Mario Abdo Benítez continuam. No sexto dia seguido de manifestações nas cidades mais populosas do país, Assunção e Cidade do Leste (na fronteira com Foz do Iguaçu, no Paraná), o povo segue nas ruas contra a corrupção no Ministério da Saúde e contra o descaso dos governantes para lidar com a pandemia.

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A situação atual

Nossos vizinhos viram os novos casos de Coronavírus disparar no último mês. A média semanal de infectados saltou de 699 para 1.592 (dados do dia 11 de março de 2021). As mortes voltaram aos mesmos índices dos piores momentos da pandemia no país, em outubro de 2020.

Por um lado, é verdade que os números mais graves de Covid-19 no país demoraram a chegar pois o governo acertou em realizar medidas de isolamento logo no início da pandemia. Por outro lado, erros foram cometidos pelos mandatários do país ao priorizar as grandes redes de mercados ao invés dos pequenos comércios para vender alimentos e produtos essenciais. Além disso, a população percebeu que as aglomerações nos bairros pobres eram reprimidas com mais violência policial, diferente do que ocorreu nos bairros ricos.

O sistema de saúde

Antes da pandemia, o Paraguai já tinha um dos piores sistemas sanitários, não só da América do Sul, mas do mundo. Isso ocorre porque os investimentos em saúde sempre foram muito baixos e com altos níveis de corrupção na administração desses recursos. Por isso, para enfrentar a pandemia, que já tinha mostrado capacidade de esgotar sistemas sanitários muito mais preparados – como os casos da Itália e Espanha –, o governo recorreu aos empréstimos internacionais. Outro erro: era possível conseguir dinheiro para vencer a pandemia com um reajuste no sistema tributário, um dos mais desiguais da região e que cobra muitos impostos dos mais pobres e poucos impostos dos mais ricos.

Corrupção

As dívidas com fundos internacionais adquiridas sob a desculpa da pandemia aumentaram drasticamente e a dívida publica passou a representar mais de 30% do PIB, quando em 2010 não chegava a 4%.

Os meses foram passando e, em teoria, o sistema sanitário deveria ter se equipado. Foram construídos dois hospitais de campanha para pacientes com Covid e uma grande quantidade de profissionais da saúde foi contratada. Ao mesmo tempo, as improvisações e a corrupção do governo começaram a aparecer com as primeiras compras de equipamentos sanitários.

A primeira compra de insumos realizada pelo Ministério da Saúde foi denunciada por irregularidades e fraudes, isso sem que o ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, tenha tomado medidas adequadas com a gravidade da situação. O Paraguai vacinou menos de 1% de sua população.

Com o aumento dos casos, o sistema sanitário revelou despreparo para dar conta da situação, levantando enormes dúvidas sobre o destino de todos os recursos destinados e principalmente sobre o futuro do povo paraguaio. A má utilização e o superfaturamento de recursos reforçou a indignação da população e desgastou ainda mais a figura do presidente e seus ministros.

Histórico

A corrupção e Mario Abdo Benítez são amigos de longa data. Em 2019, no escândalo envolvendo o governo Bolsonaro e o governo paraguaio em torno da hidrelétrica de Itaipu, Abdo Benítez viu sua rejeição aumentar. A Usina Hidrelétrica de Itaipu fica no Rio Paraná, divisa entre os dois países. Brasil e Paraguai dividem meio-a-meio a energia produzida mas, como eles usam menos energia do que nós, o Brasil compra o que sobra de lá. Após o encontro do presidente paraguaio com Bolsonaro, eles assinaram um acordo, sem que ninguém soubesse. O novo acordo secreto estabelecia, porém, que o Brasil pagaria menos pela energia excedente paraguaia, impondo ao país vizinho um prejuízo calculado em 200 milhões de dólares. Pelo lado de cá, quem também participou das tratativas foi o empresário Alexandre Giordano, lobista apontado como representante de uma empresa brasileira chamada Léros Energia. Ele é o primeiro suplente de Major Olímpio, líder do PSL (partido pelo qual Bolsonaro chegou na Presidência) no Senado. Quando o acerto por baixo dos panos veio à tona, cinco integrantes do governo de Abdo Benítez renunciaram.

Os protestos no Paraguai
Bolsonaro e Benítez assinaram acordo que prejudicaria o país vizinho. O documento foi invalidado após o escândalo virar público. Foto: Reprodução.

A revolta

Um dos momentos mais emblemáticos da crise no Paraguai foi no início de fevereiro deste ano. Enquanto o presidente Mario Abdo Benítez participava de um ato oficial do governo na cidade de Coronel Oviedo, um homem pediu ajuda ao presidente para seu irmão, que estava internado com Covid-19 mas não tinha medicamentos para aliviar sintomas. A resposta do presidente foi: “Eu não sou médico“.

Os protestos no Paraguai iniciaram após a indignação chegar no ponto alto na sexta-feira, dia 5 de março, e o primeiro efeito foi a demissão de Julio Mazzoleni. O estopim para a revolta da população ocorreu quando uma usuária do IPS (o serviço de seguro social do Paraguai, parecido com nosso INSS) encontrou, em uma farmácia privada, medicamentos com o selo do IPS, ou seja, remédios que deveriam ir para hospitais públicos mas estavam sendo desviados para farmácias privadas.

Nessa sexta-feira, os protestos no Paraguai traziam as palavras de ordem “Que se vayan todos” (“que saiam todos”, “ANR nunca más” (ANR é a sigla do Partido Colorado, do presidente Mario Abdo Benítez e de Alfredo Stroessner, ditador elogiado por Jair Bolsonaro), e “Estoy para el marzo paraguayo 2021”. Milhares de pessoas se concentraram em frente ao Congresso Nacional, em Assunção, capital do país, para exigir a saída de toda a administração colorada do governo. As manifestações vem sendo duramente reprimidas pela polícia e já há notícias de mortos nos protestos.

Impeachment

Os protestos no Paraguai tem sido realizados por associações de moradores, sindicatos, organizações estudantis e de diversos espaços da vida social e política estão nas ruas pedindo o “impeachment” e novas eleições. O impasse para a queda do governo tem sido o fato de que o líder do Partido Colorado no Congresso paraguaio, o ex-presidente Horácio Cartes, tem forte apoio de outros parlamentares. Cartes, que chegou a presidência de seu país discursando contra homossexuais, é condenado por corrupção até mesmo no Brasil.