O futuro do nosso bem viver – Ação cultural em defesa da aldeia Pindó Poty (RS)

Matéria originalmente publicada pela Teia dos Povos (clique aqui para ir à fonte)

Texto por Ramiro Valdez
Fotos por Alass Derivas (gentilmente cedidas pelo site Deriva Jornalismo)

Nos dias 21 e 22 de abril, ocorreu na Tekoá Pindó Poty, situada no bairro Lami, em Porto Alegre, uma ação cultural em defesa de seu território, que vem sofrendo invasões e esbulho. A aldeia Mbyá Guarani denunciou este grave ataque a seus direitos na semana passada, e prontamente lideranças de outras aldeias, do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, assim como coordenadores da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), foram chegando, e se fizeram presentes para resistir junto.

O evento Teko Porã Tenondeve Rã – O futuro do nosso bem viver, organizado pela CGY, contou com a presença de muitos Mbyá Guarani; vieram de  Itapuã, Cantagalo, Maquiné, Campo Molhado, Varzinha, Riozinho e Morro dos Cavalos (SC); vieram caciques e Xeramõis (anciões), crianças e jovens. O objetivo do evento era fortalecer a luta da comunidade na retomada do seu território e pela demarcação das suas terras, fazer plantios de árvores frutíferas, mutirões de construção de áreas coletivas, e principalmente ampliar a denúncia do esbulho, isto é, do roubo das terras indígenas pelos juruá (não indígenas) que está acontecendo sob os olhos do poder público, que está ciente da situação e nada faz. Estavam presentes em torno de cem pessoas.

No dia 21, as lideranças Guaranis, caciques e Xeramõis, se reuniram com o cacique Roberto Ramires, cacique da Pindó Poty. Também foi reformada a cozinha da aldeia ao longo do dia, que era reservado para atividades internas aos  Guarani. Já o dia 22 era aberto ao público mais amplo, e diversos apoiadores juruá se somaram às atividades. Houve apresentação de canto e dança Mbyá Guarani pelas crianças e jovens, e depois foi aberto espaço para falas dos presentes.

As lideranças falaram primeiro em Guarani e depois português, agradecendo e saudando a todos que se somaram à luta, reforçando a importância de defender os territórios dos povos originários, que lutam contra a ganância dos poderosos homens brancos que estão destruindo a vida na Terra. A reivindicação pela demarcação de suas terras foi unânime.  Não foi homologada nenhuma terra indígena no Rio Grande do Sul desde o início dos anos 2000. Algumas poucas terras foram demarcadas, mas os invasores ainda estão no território indígena e não houve homologação de parte da presidência da república. O poder público mata por omissão.

As falas das lideranças carregavam muita força, muita potência.  Elas giraram em torno da resistência do povo Mbyá Guarani em defesa, não apenas de seu território ancestral, mas de toda a vida, da Terra. Tentarei reverberar o que escutei nas linhas abaixo.

Segundo a liderança da Ponta do Arado, cacique e Xeramõi, a luta Guarani é uma luta por continuar existindo, para que todos possam viver, as pessoas, os rios, as florestas e os morros. Segundo eles, Nhanderu nos deu tudo, para que não faltasse pra ninguém. A nós basta cuidar e saber partilhar.

Denunciou-se também a data de hoje segundo o calendário europeu: 22 de abril, “descobrimento” do Brasil. “Que descobrimento é esse, se já tinha gente vivendo aqui?”, questiona a cacique do Morro dos Cavalos. A mentalidade predatória do colonizador quer vender tudo. A água, a terra, tudo. Só não vende o ar porque não consegue.  1500 marca a data da invasão colonial desta grande terra, e com ela, veio a destruição das florestas, o genocídio e a exploração. Mas, essa data é também o começo de uma longa e contínua luta dos povos originários contra os que pretedem dominá-los. Hoje, da Terra do Fogo ao Alaska, são um exemplo de resistência e dignidade para todos aqueles que se atrevem a lutar por outros mundos possíveis.

A nação Guarani, segundo a liderança, é o maior povo indígena da América Latina, e seu território é transfronteiriço e, no entanto, são o povo com menos terras demarcadas. E são perseguidos e ameaçados justamente por sua luta pelo território e pela vida.

Para o cacique da retomada de Maquiné, é muito importante, e muito simbólico, o apoio dos juruá à sua luta. Juruá que luta junto é Xondaro e Xondaria (guerreiros e guerreiras). Os Guarani lutam cantando e dançando, rezando seu petyngua (cachimbo de fumar tabaco). Tudo que querem é  viver com sua família, seus parentes, de acordo com o coração, com mborayvu (amor pelos outros) e beleza. “Os grandão dizem que nós devíamos estar na cidade, mas é a cidade que invade nosso território!”, completa o cacique.

Para o cacique da aldeia de Itapuã, a luta Guarani evita o confronto direto, para preservar a aldeia contra represálias, e o mais importante, proteger as crianças. Mas se precisarem partir para o confronto como último recurso, infelizmente, não haverá outra saída.

Depois das falas das e dos caciques e Xeramõis foi a vez de apoiadores juruá expressarem solidariedade, falando em defesa dos Guarani da Tekoá Pindó Poty e dos direitos de todos os povos originários e comunidades tradicionais. Estavam presentes diversas entidades e organizações, tais como a Frente Quilombola do Rio Grande do Sul (FQRS), a Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Movimento Construindo Consciente (Mova-C), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre outros. Todos os juruá estavam seguindo as normas de segurança sanitária, utilizando máscaras e fazendo uso de álcool em gel.

A Frente Quilombola falou em construir e fortalecer esta grande aliança entre os povos indígenas, quilombolas, e todas as comunidades tradicionais, em torno do bem viver e da resistência ao capitalismo, que destrói o mundo e transforma tudo em mercadoria. Marcou uma aliança político-espiritual, pautando a presença de seus encantados e orixás no território dos filhos de Nhanderu.

A Frente Quilombola expressou sua solidariedade também com o repasse de cestas básicas, material de higiene e em torno de vinte máscaras sanitárias,  demonstrando, através da prática, que a solidariedade entre os povos e entre todos os de baixo, é a única possibilidade de superar este mundo de injustiças criado pelo capitalismo.

Obs.: Até o fechamento desta matéria, o Ministério Público Federal e a Funai não tomaram as medidas cabíveis para garantir os direitos territoriais dos Guarani, previstos na Constituição Federal de 1988.