Moradores relatam violência policial em reintegração de posse de área de preservação

Fonte: Sul 21

Fernanda Canofre

Uma ação de reintegração de posse em uma área de preservação permanente (APP), próxima a rede de alta tensão da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), teria envolvido forte repressão da Brigada Militar, segundo moradores da região conhecida como Alto da Colina, no bairro Jardim Carvalho. A ação de reintegração que removeu duas casas iniciou às 8h da manhã desta quarta-feira (24) e seguiu até as 16h, envolvendo pelo menos 60 policiais militares.

Segundo o vice-presidente da Associação de Moradores do Alto da Colina, Fabiano Vargas, três pessoas foram feridas durante a ação e encaminhadas ao hospital. “Houve confronto, eles deram tiros nos moradores. Tiraram pessoal daqui como cachorro, eles estão na rua agora. Não sabem para onde vão”, diz ele.

Há ainda relatos de que a BM teria usado bombas de efeito moral contra os moradores, depois de eles terem quebrado os vidros de uma retroescavadeira, enviada para desmanchar as duas casas. A reportagem entrou em contato com o 20º Batalhão de Polícia militar, responsável pela ação, mas eles não souberam informar sobre o tipo de armamento utilizado ou dizer como transcorreu o despejo.

Apesar de o terreno no Alto da Colina pertencer à prefeitura municipal de Porto Alegre, as duas casas alvo da reintegração de posse ocorrida hoje estão na área conhecida como “faixa de servidão”, que pertence à CEEE, e por onde passam fios de alta tensão. De acordo com a companhia, o telhado de uma das casas estaria a dois metros de distância de um cabo com voltagem de 230 mil volts, o que colocaria os moradores em risco de morte. A CEEE explica que, em épocas em que o consumo de energia elétrica aumenta, o cabo pode baixar por sobrecarga e chegar a encostar na casa, construída na área irregular.

A companhia e os moradores divergem, no entanto, sobre o tempo em que os moradores estão no local. Enquanto a Associação de Moradores afirma que as famílias estavam lá há 20 anos, a CEEE afirma que as construções foram identificadas no local em uma inspeção realizada em outubro do ano passado. A assessoria do órgão explica que são realizadas duas inspeções por ano em áreas da companhia e que, na inspeção anterior, as casas não existiam.

A decisão judicial autorizando a reintegração de posse foi emitida no dia 21 de março, pelo desembargador Carlos Cinimarchionatti, da 20ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça. Nela, o magistrado autoriza o uso da força policial.

Na véspera da reintegração, às 21h de terça-feira, os moradores entraram em contato com o Grupo de Assessoria Popular (GAP), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pedindo representação e que ajudassem a suspender a reintegração marcada para a manhã do dia seguinte. Porém, com o sistema do TJ fora do ar, o GAP não pode consultar o processo eletrônico para se informar sobre a natureza do caso.

Na manhã desta quarta, o grupo entrou com pedido de suspensão da reintegração de posse, apontando duas razões: primeiro, não estava garantido aos moradores o acesso à justiça, já que o sistema eletrônico estava fora do ar e seus representantes não tiveram acesso ao processo; segundo, porque não seria garantido às pessoas removidas o direito de realocação, o que seria dever do poder público.

“A gente não está questionando a tecnicidade da ação, mas estamos questionando que o poder público tem que garantir um outro espaço adequado, não pode simplesmente chegar e deixar as pessoas na rua, que foi o que aconteceu”, afirma um representante do GAP.

No saldo do dia, com as duas casas desmanchadas, os moradores afirmam que têm medo que a ação de hoje se repita em outros processos de reintegração que correm em cima de outros trechos do terreno.