Metroviários de São Paulo denunciam racismo contra servidor

Os trabalhadores do Metrô de São Paulo devem realizar, na próxima quinta-feira, no Cidade II, edifício administrativo da Companhia, um ato para denunciar um caso de racismo ocorrido na empresa. No dia 15 de setembro, o Metrô de São Paulo demitiu Valter Rocha, que trabalhava como Operador de Transporte Metroviário 2 (OTM-2), acusando Valter de agressão a um usuário. A demissão foi o último episódio de uma série de perseguições ao ex-servidor, que além já foi repreendido por sua participação em reivindicações e até por seu cabelo, que é crespo.

Aliás, foi após um episódio de racismo que a suposta agressão cometida por Valter teria ocorrido. Em agosto, ele trabalhava na estação Praça da Árvore que, por ser considerada estação de pequeno porte dentro do sistema metroviário, fica sem supervisor ou seguranças por diversos turnos. Em uma ocasião, um usuário que teve problemas de troco na bilheteria – ficou irritado por não haver troco para sua nota de R$100,00 -, burlou o sistema e foi abordado por Valter (que era, naquele momento, por falta de um supervisor em sua escala, o responsável pela estação). Questionado, o passageiro chamou o operador de macaco. Algumas pessoas presenciaram a situação, mas Valter não formalizou denúncia. O mesmo usuário passou pela estação poucos dias após o caso e, ao se deparar com o servidor, fez gestos imitando um macaco. Desta vez, Valter abordou o usuário com a finalidade de questioná-lo segurando-o pela mochila e chamou a segurança para fazer um boletim de ocorrência. Percebendo que não teria como reter o usuário sem a presença de agentes de segurança, deixou que o passageiro fosse embora. Este reclamou, em outra estação, da conduta de Valter, o que levou, 40 dias depois, à demissão do servidor.

Racismo dentro da empresa

Segundo Valter, o caso não foi isolado, e faz parte de uma série de dificuldades enfrentada desde que ingressou na companhia, 15 anos atrás. Foi pressionado a cortar seu cabelo com dreadlock porque “dava impressão de pouca higiene”, segundo superiores, o que “não condizia com a empresa” – como se negou a fazer isso, sempre foi avaliado negativamente pela empresa no critério “apresentação pessoal e asseio”. Quando novos funcionários eram contratados, durante o treinamento, Valter era recorrentemente utilizado como exemplo negativo e sempre se referiam a ele de maneira pejorativa, como o “rastafári” da estação Anhangabaú, um “exemplo de como não deve ser um metroviário”.

Após conquistar promoção via concurso interno para a função de OTM-2, Valter travou nova batalha quando a empresa o reprovou alegando que ele não tinha condições de exercer uma função mais técnica. Para o Metrô, ele teria condições de executar tarefas mais simples, como vender bilhete, mas não para trabalhar em um cargo mais complexo (o OTM-2 opera a parte elétrica das estações, fundamental para o funcionamento do sistema) e que isso provavelmente seria um problema de sua “genética” (termo usado por um responsável pelo treinamento na presença de um diretor do Sindicato).

Após pressão, a empresa recuou e decidiu refazer teste prático com o funcionário: o teste seria com instrutor diferente e duraria dez dias. Porém, não houve necessidade de utilizar todo esse tempo: em cinco dias, o instrutor que o estava avaliando disse que ele tinha plenas condições de ser promovido e desenvolver a nova função.

No caso da discriminação, Valter não teve sequer chance de apresentar formalmente sua versão do ocorrido. A empresa utilizou a reclamação feita pelo usuário – contrariando o fato de que havia testemunhas para a ofensa racista – para demitir um funcionário que, além de ser negro, cometeu o “crime” de ser um militante. Ao reivindicar o próprio corpo, Valter já havia se tornado um incômodo para a chefia. Recusar a cortar o cabelo foi mais uma resistência ao racismo velado do qual era vítima – e mantinha essa postura nas lutas coletivas da categoria.

Ele foi uma das centenas de metroviários que atuaram em piquetes nas estações e outros postos de trabalho na greve de 2014. Por pouco não foi demitido – não foram poucas vezes que ouviu que só escapou porque estava de férias no período da paralisação, que durou cinco dias -, mas, mesmo assim, ainda foi alvo de discriminação: foi o único dos não-demitidos daquela mobilização que foi processado criminalmente pelo Metrô. A centenas de pessoas que participaram dos piquetes, a derrota foi apenas moral e não jurídica: é pouco provável que o acaso o tivesse escolhido novamente, assim como não é coincidência que os trabalhadores mais mobilizados da categoria tivessem sido os principais alvos da greve de 2014.

Apesar de ficar responsável constantemente por uma estação – função que compete prioritariamente a um supervisor (hierarquicamente superior ao cargo de OTM-2) -, Valter alega que nunca obteve o reconhecimento pelo seu trabalho, sendo inclusive castigado: era regularmente avaliado com notas baixas em avaliações de desempenho (critério que justificou recentes demissões de diversos metroviários), principalmente no quesito “apresentação pessoal” que avalia a aparência dos funcionários.

Se, por um lado, a vida profissional de Valter no Metrô está encravada de constantes perseguições, a demissão injusta não pode ser considerada uma particularidade do caso dele. Desde o início do ano, o Metrô vem, em média, dispensando um funcionário a cada 15 dias – principalmente por  “baixa produtividade” (fator que, segundo outros metroviários, nunca é levado em conta nas avaliações de funcionários em cargos comissionados, cujos salários ultrapassam R$21 mil).

A manifestação ocorrerá às 16h, em frente ao Cidade II, edifício administrativo do Metrô de São Paulo, na rua Boa Vista, nº 175, próximo à estação São Bento, na região central de São Paulo.