Jornal “Intercept” é censurado por noticiar humilhação sofrida por Mariana Ferrer em juízo

Às vésperas do recesso do Judiciário, a juíza Cleni Serly Rauen Vieira, da 3ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, proferiu decisão judicial ordenando que o jornal “The Intercept” editasse sua reportagem do mês passado em que foi noticiado o tratamento desumano e vexatório que sofreu a promotora de eventos Mariana Ferrer, no processo criminal na qual ela figura como vítima de estupro, em que o acusado era o empresário André de Camargo Aranha.

Na ocasião, o advogado do Acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, que também já atuou em processos defendendo Olavo de Carvalho e Sara Winter, expôs fotos sensuais da vítima e a humilhou brutalmente durante a Audiência, sem qualquer intervenção devida por parte do juiz Rudson Marcos ou do Promotor de Justiça do Ministério Público, Thiago Carriço de Oliveira. Ao fim do processo, o Ministério Público, órgão de acusação e representado na ocasião por Oliveira, pediu a absolvição do Acusado sob o malabarismo de que faltavam provas de que Aranha tivesse a consciência de que Ferrer não se encontrava em condições de consentir a relação sexual que os dois tiveram enquanto Mariana estava inconsciente. O Juiz Rudson acolheu a tese do Ministério Público e absolveu o acusado.

Com a cobertura do jornal “The Intercept”, ao contrário do que se deveria esperar da Justiça frente a tamanho escândalo, o alvo de repressão não foram os responsáveis pelo absurdo ocorrido, e sim o veículo que noticiou o fato. O juiz Rudson e o promotor de justiça Thiago entraram com uma ação para que a reportagem fosse censurada e para que o jornal tivesse que pagar R$450.000,00 ao primeiro e R$300.000,00 ao segundo a título de danos morais. O caso, correndo em processos judiciais sob os números 5080008-63.2020.8.24.0023 e 5080469-35.2020.8.24.0023, na 3ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, teve decisão liminar proferida pela juíza Cleni Serly Rauen Vieira ordenando que a reportagem em questão fosse editada e censurada. O principal alvo da ação é a jornalista responsável pela reportagem, Schirlei Alves, que desde a publicação da matéria vem sendo massiva e coordenadamente atacada e ameaçada pelos já tão conhecidos grupos de ódio das redes sociais. Com a repercussão de seu trabalho, Schirlei também tem contribuído na pressão pública para a inclusão do crime de violência institucional na Lei de Abuso de Autoridade, avanço legislativo ainda muito criticado por inúmeros juízes e promotores que não estão dispostos a abrir mão do poder de humilhar os jurisdicionados no exercício de suas funções institucionais.

Para além do brutal ataque à liberdade de imprensa que a decisão representa, resta ainda mais claro qual é a prioridade do sistema judiciário frente aos abusos cometidos por seus integrantes e frente à violência de gênero estrutural. Não há um mínimo compromisso, o menor que seja, para coibir tais abusos ou para diminuir a violência de gênero institucionalizada O compromisso do Judiciário é apenas com o corporativismo e com a manutenção de tais estruturas que fazem parte da garantia de todos os seus privilégios. É isso que representa tanto a iniciativa do juiz Rudson e do promotor Thiago de processar a jornalista quanto o deferimento da liminar pela magistrada Cleni, que mesmo sendo mulher, não se sensibilizou de qualquer forma com as humilhações sofridas por Mariana Ferrer.

Leia aqui a reportagem do Intercept sobre o caso.