Joinville (SC): Batalha do Paraíso fortalece o movimento hip hop

Por Lucas Borba

Letras fortes, versos combativos e rimas que falam da luta diária. Todo segundo domingo do mês a Lanchonete do Mano, ao lado do Areião, torna-se o espaço do rap no Jardim Paraíso. A Batalha do Paraíso (BdP) tem entrada gratuita e é realizada na Rua Andrômeda, lateral da Avenida Júpiter. A edição de fevereiro (11) e primeira do ano, que foi organizada com duplas montadas, acabou perto das 22h30. MC Jerry e MC Zé venceram, os dois têm 13 e 8 anos de idade, respectivamente. A próxima BdP acontecerá no dia 11 de março, a partir das 15 horas.

Na maior parte das vezes as batalhas são de sangue, em que os MCs atacam verbalmente os adversários na improvisação, tem 16 MCs no máximo, o número dobra quando é de duplas. Nos intervalos acontecem os pocket shows, que são pequenos shows de grupos de Joinville e região. Qualquer um pode pedir espaço e recitar poesia. No final tem um espaço para quem quer cantar e não marcou. O microfone é liberado para mostrar o trabalho. Já desenharam até grafites no evento.

Odineia da Veiga, a Néia, 30, é uma das organizadoras do evento, com o seu marido, Uderon da Veiga, o DJ Mano, 31. O casal tem dois filhos, um de 14 e outro de 8 anos, que são conhecidos como MC Rafa e MC Zé, campeão da BdP com o Jerry.

Rafael Augusto Silva da Rocha, 14, começou a batalhar em 2015, quando os pais começaram a organizar batalhas de rap. Primeiro foi tentando improvisar, começou a escrever versos faz pouco tempo. Filho de Néia e Uderon, ele ajudou com a carretinha na organização da última batalha.

Antes do almoço de domingo a família já começou a arrumar as coisas, limpar os cabos para ver se estão sujos. Buscam a carretinha na casa do pai do Uderon depois do almoço. Rafa tem como referências Sabotage, Racionais, Marcelo D2, Rincon Sapiência e Froid, entre outros artistas.

Néia e DJ Mano, pais de Rafael e organizadores da batalha, fazem outro projeto social além da BdP. Eles dão aulas de capoeira duas vezes por semana, segundas e quartas-feiras, das 19h30 ás 20h30, de forma gratuita, no Grupo de Assistência Social Paraíso (GASP).

O projeto funciona da maneira mais simples, as crianças que querem participar vão lá, preenchem uma ficha de inscrição para autorização dos pais. O casal está correndo atrás de recursos para comprar cordas, pois cobrar é ruim. “Nada que é cobrado vinga aqui no Paraíso”, disse Néia. Eles contam com 10 crianças no projeto.

Segundo Odinéia, é igual as batalhas, já falaram sobre cobranças, mas não adianta cobrar. Os pais não estão ligando para capoeira ou batalha, trabalham durante a semana e querem descansar.

Uderon trabalha das 7h30 às 18h, trabalha na zona sul, geralmente faz cerão até 20 horas, às vezes trabalha no sábado. Néia tem horário mais flexível, começa às 7h e deveria sair 16h30, mas não tem como, é coordenadora geral no GASP, é mais complicado. Os dois têm rotinas corridas e filhos, mesmo assim não deixam de construir alguma coisa pela juventude do bairro.

Não são só os filhos do casal as referências da nova geração, Jerry de Oliveira, ou MC Jerry, um baita MC dos novos tempos, mora no Morro do Meio, bairro da zona oeste de Joinville, desde os 4 anos. O rapper estuda na Escola Municipal Professora Elizabeth Von Dreifuss, localizada no seu bairro.

Jerry começou a frequentar batalhas de rap na zona sul, no Guanabara, quando ainda organizavam no Parque da Cidade, no começo do ano passado. O rap, hoje, é o que mais faz parte da vida dele: “Ocupa muito tempo, é o que mais faço, rimar”. Jerry já carrega o peso de duas vitórias, agora o objetivo é crescer.

O MC, de apenas 13 anos, já venceu duas batalhas em 2018. Uma foi organizada pela Central das Rimas (CdR), que rolou no dia 7 de janeiro e contou com apresentações diversificadas, microfone aberto e eventos culturais. “Nem me dei conta na hora que tinha ganhado, só senti que o estresse passou, senti alívio”, disse Jerry, sobre a vitória na batalha anterior.

Dois rappers que participaram da BdP, Dheik e Nariga, formam o grupo Voz & Visão, no qual tem os integrantes Doro (Rodrigo), Nariga (Alan) e eu Mano Dheik (Dheik). O grupo Voz & Visão tem pouco menos de 1 ano, porém, cantam juntos há quase 3 anos como Banca Sul, que, segundo Dheik, representa a rapaziada mais velha da quebrada.

O grupo ainda não tem músicas disponíveis e um canal, porém, tem alguns vídeos de apresentações como Banca Sul na BdP, na batalha de rap em Jaraguá e algumas participações com amigos que convidaram, Humildade Sem Medo e Imigrantes Mc’s.

Dheik, morador do bairro Petrópolis, disse que para apoiar o hip hop, uma cultura, uma escola, não se deve criar barreiras. “Somos todos mortais com liberdade dada por Deus para andar por onde formos úteis, o preconceito com os bairros periféricos é só uma realidade que se alastra pelo Brasil inteiro”, disse o MC.

Fábio Roberto de Jesus, conhecido na cena como Utópiko, parou de batalhar há um ano, mas ainda frequenta batalhas de rap para apoiar o movimento e rever amigos. Fábio faz freestyle desde 2006 e é mestre de cerimônias, mora no bairro Ulysses Guimarães, zona sul de Joinville, mas atravessa a cidade pelo rap quando é necessário.

“Comecei a batalhar por falta de espaço, ou fazia freestyle ou não tocava em lugar nenhum”, disse Fábio. Após vencer várias batalhas de rap, ele já estava satisfeito, então só improvisava por amor do que por competição.

A BdP é a única que ele ainda participa, mesmo não rimando, pelo fato de ser um evento inclusivo, todo mundo tem espaço independente de onde você more, é uma batalha especial, uma família inteira vive o hip hop de verdade, sem recursos ou patrocínio, fazem por amor, existe respeito, mesmo sendo longe. “É uma honra estar ali aprendendo na prática o que é resistir em meio tantos problemas pesados”, completou o MC.

“As pessoas acham que hip hop é só freestyle, que é só comprar beat, gravar e lançar no youtube pra monetizar, ninguém está pensando na arte, cultura, no social. Tu não vê mais grupo de rap fazendo projeto social, fazer evento de graça não é projeto social”, disse Utópiko.

São eventos de bairros que salvam o hip hop, que mudam a cabeça da juventude que está ali. O jovem de 15, 16 anos não tem dinheiro pra balada de rap, ou os pais não deixam. “Vamos dizer que o rap está na UTI e as batalhas são a aparelhagem, oxigênio que mantém vivo”, disse. Ele lembrou sobre o risco do rap se tornar comercial por inteiro. “As pessoas acham que só um grupo tem que se destacar, e esse grupo se destacando, outros que possam vir a se destacar podem tomar o público dele”, completou.

A Batalha do Paraíso é para todas as idades, conta com veteranos de luta no movimento, Ettore José da Cruz, o Kiko, rapper das antigas no Jardim Paraíso, frequenta as batalhas há 18 anos. Ele tem 42 anos e mandou um beatbox pesado no final da batalha, veio morar no Paraíso há 25 anos vindo do Paraná.

Kiko participa de eventos do rap há quase duas décadas, fazia dupla com um amigo que virou empresário e largou o rap. Depois cantou com o Pezão durante 10 anos, infelizmente o amigo dele foi assassinado brutalmente. Parou com o rap por cerca de 3 anos e voltou a gravar agora, vai lançar o primeiro disco. Já era para ter lançado vários discos, mas as condições financeiras nunca ajudaram e sempre acontecia algum problema.

O foco é escrever rimas e letras, mas participa da batalha. “A gente participa, a gente brinca, é como um esporte, é gostoso, pra tirar uma onda e fazer a turma rir”, disse o rapper. Ele ainda falou sobre quem cria movimento e não quer se envolver com outros, tais pessoas não tem humildade, entram pela fama e não pelo amor.

“Até hoje nunca ganhei um real pra cantar, até paguei ingresso para entrar em evento e depois cantar”, disse Ettore. Kiko tem uma paixão enorme pelo rap, é tudo na vida dele. Para ele, poder escrever um som, ponto de vista e sentimento numa letra, que pode mudar a vida de irmãos, nas suas palavras, é uma gratificação enorme. “Quando vem alguém dizer -obrigado pelo conselho na letra- é o meu pagamento”, disse, de forma sábia, o rapper.

O bairro Jardim Paraíso para Kiko é o que ele sente desde novo, é um bairro discriminado por causa da violência. Tem outros bairros mais violentos, mas preferem dizer que o Jardim Paraíso é mais. “Hoje em dia a gente sofre com guerra de facções rivais, que vem distribuindo sangue, medo e terror nas crianças da comunidade”, desabafou. A violência afeta as crianças na escola, afeta o crescimento do rap, que o senso comum ainda acha que é ligado ao crime, sendo que é o contrário, é para resgatar do crime.