A greve do magistério gaúcho tem que virar luta popular pela educação pública

Por Elias Carvalho

Não somos tolos. O discurso da crise financeira é um modo de governar e de selecionar os problemas que temos no estado fazendo escolhas que punem a maioria com pobreza, repressão, destruição dos bens e serviços públicos que formam o patrimônio comum de um povo. O parcelamento de salários, as privatizações, o desmonte da saúde e educação, de programas de meio ambiente, moradia e reforma agrária é um tipo de gestão e racionamento miserável do Estado sobre os setores populares pra privilegiar os grupos econômicos, cupinchas do poder político e ideológico, as elites de sempre. Nessa ordem, a polícia e o sistema penal fazem a guarda da injustiça pra quem vive do lado de fora do condomínio de luxo.

O dia do vencimento do magistério no próximo mês está ameaçado. Como pior cenário, pelo juntamento da folha de pagamento de setembro no fim de outubro, em qualquer caso, pela sinalização do depósito inicial de uma parcela menor que 350 reais. A audiência do comando estadual de greve com a secretaria da educação na última quinta, no dia 14 de setembro, confirmou essa posição. A postura do governo de José Ivo Sartori (PMDB) é dura e intransigente com a pauta mínima do movimento das trabalhadoras/es.

O governador e a Fazenda do Estado condicionam o salário dos servidores ao pacote de privatizações, arrocho do gasto público e liquidação de direitos que aguarda aprovação do legislativo. Temer e a junta de vigaristas do palácio do planalto fustigam e atacam os bens e serviços públicos do estado com a renegociação da dívida pública do RS, que subirá a 90 bilhões com esse contrato. O regime de recuperação fiscal que nos querem empurrar é uma ridícula liquidação social para pagar os agiotas financeiros que mandam na economia e tem o poder intocável no país. Estamos peleando e resistindo uma política de choque dos poderes econômicos e estatais que está levando ao colapso dos serviços públicos e ao aumento violento da pobreza.

A greve da rede pública estadual da educação declarada na assembléia geral realizada no Largo Glênio Peres em Porto Alegre no dia 5 de setembro atravessará um teste de fogo nestes dias prévios ao fim do mês. Digamos que daqui pra frente a revolta das educadoras vai ter que virar a massa e sentar os tijolos de uma estratégia prolongada de resistência, pra não ceder a guerra de nervos do governo e tampouco cansar ou se ver traída pela burocratice dos dirigentes sindicais.

Fazer da greve luta popular pela educação

Mas essa greve é muito mais do que a reivindicação do pagamento de salários integrais no dia do vencimento para os servidores. É uma greve da dignidade trabalhadora e da melhor educação pública para os filhos do povo. Por se tratar de uma luta que resiste ao desmonte da rede de escolas públicas, se levada para as mãos da comunidade escolar pode ampliar e aprofundar a participação popular no seu desfecho. A greve que temos nesse momento aqui no estado pode ser o ponto de partida de uma ampla e radical luta popular por mais educação e serviços públicos dirigida e organizada diretamente por órgãos de democracia de base, uma rede tramada por bairros, regiões ou municípios, unindo todos os setores oprimidos pelo ajuste. É uma greve que tem extensão e pode chegar à vida mais difícil da classe na periferia urbana e jogar ferramentas para canalizar e organizar a revolta popular por baixo, fora dos esquemas tradicionais, burocráticos e eleitorais que puxaram boa parte da esquerda (que quer ser parte da máquina de controle) para a lei de ferro do sistema das oligarquias.

SONEGADORES E LADRÕES DE GRAVATA: Em letras garrafais, para todo mundo ver

É um momento também pra fazer as ruas e paredes da cidade gritarem numa campanha de agitação pública apontando os podres de ricos que não pagam impostos, são devedores da receita e ainda privilegiados por toda sorte de benefícios do estado. Gerar e ampliar militância na greve com tarefas de agitação e propaganda que não terceirizam a luta ideológica para empresas de publicidade, organizar grupos de trabalhadores pra essa função. Pintar por todos os lados em grandes letras que o apoio popular à greve só cresce junto com a revolta e que os banqueiros e empresários, Gerdau, Grupo RBS, Bradesco, JBS e outros são ladrões de gravata do dinheiro público que falta na educação e saúde.

Ação direta em convergência com a indignação geral

O que qualifica uma oposição sindical pela base, que faça vetor na democracia de base e na ação direta de classe, não é o grito mais estridente ou o discurso radical do alto da mesma estrutura de poder que cria e reproduz as burocracias sindicais. Uma posição alternativa vale pelos seus métodos, os valores militantes e o programa de lutas que afirma com independência dos governos da vez. Alternativa nessa greve faz quem leva a greve pras mãos das zonais e assembleias populares da educação, quem cria coordenação solidária nos bairros, regiões e municípios com todos os setores trabalhadores e populares que são castigados pela política miserável do ajuste e repressão. Quem pode ser capaz de unir os grupos avançados da categoria pra fazer táticas de ação direta sindical que aprofundem a revolta fora da gestão burocrática e previsível dos dirigentes sindicais, aquela da concentração em praça pública, das marchas e das longas e surradas performances em carro de som.

Marchas e concentrações de frente ao palácio não conseguem vencer a realidade de um estado policial que faz o ajuste anti-povo cercado pelo gradil. Uma alternativa tem que dar escape do controle e da vigilância, fazer uma tática de luta forte, de ação direta, sem intermediários, em convergência com a indignação da categoria, mas com a inteligência coletiva de escolher pro combate os pontos vulneráveis do inimigo. Não ser fogo de palha ou bombeiro, mas avançar com método e apoio popular pela luta estratégica.

Apoio mútuo e unidade começando por baixo, mas sem repressores

O 29 de setembro pode marcar com revoltante anúncio a miséria e o desespero da educação pública e a beira do colapso dos serviços públicos no estado do RS. É dia do vencimento dos servidores ligados ao executivo estadual e de assembleia das categorias que se preparam pra resistir a ameaça cada dia mais perigosa. Uma nova etapa da greve pode se abrir e a luta sindical será desafiada a fundo pra prolongar seu movimento. Um plano, uma política do sindicato pra aplacar a fome e a pobreza dos grevistas mais vulneráveis será fundamental, o uso do fundo de greve, redes de apoio mútuo, planos de ação para atender essa que será uma questão séria e dramática.

A unificação do setor público na luta será forte e real se puder ser mais do que um dia de manifestação e se converter e multiplicar órgãos de luta e democracia de base criados nos bairros, regiões e municípios. Ser uma ferramenta de mobilização dos trabalhadores unidos com a comunidade, com a maioria da classe que trabalha em regime privado, terceirizado, precário e vive na periferia urbana, diretamente afetada pelos serviços públicos e não se reconhece nos sindicatos ora dirigidos pela máfia de um setor ou pela burocracia sindical. A polícia é um “elemento suspeito” na unidade de classe. É uma instituição sorrateira e letal na vida das comunidades, que faz jogo duplo e cobra arrego dos grupos do tráfico, que gerencia a morte da juventude negra e pobre. É uma máquina de violência da propriedade, seus funcionários são pagos pela violência de classe que reprime os protestos e assegura o poder político e econômico. Unidade com a polícia é uma fantasia que sempre acaba machucando os iludidos e algemando melhores perspectivas pra luta.

* Funcionário de escola em Porto Alegre na rede estadual do RS e filiado ao CPERS sindicato