Desconhecido, crítico e potente: A garota da fábrica de fósforos (1990), de Aki Kaurismäki

Na última coluna, há quinze dias, falei do filme A garota da fábrica de fósforos (1990), que me foi recomendado certa vez e estava parado no meu PC até que decidimos assisti-lo, eu e minha companheira. É um filme curto, pouco mais de uma hora de duração, e com uma força muito interessante. O longa tem poucos personagens, poucos diálogos, planos sugestivos e ritmo lento.

A história gira em torno Iris, uma jovem com cara apática que trabalha numa fábrica de fósforos como supervisora de embalagens. A rotina, se não é extenuante, é monótona, e somada à obrigatoriedade do serviço doméstico, e da opressão do machismo estrutural em casa, na fábrica e na rua, faz com que Iris entre numa espiral de tensão e violência que descamba para um final trágico e surpreendente.

Até os primeiros 15 minutos do filme (imagino, pois não cronometrei para saber), não há diálogos, e a legenda do finlandês só aparece em duas oportunidades para transcrever as falas de um noticiário televisivo, que só mostra tragédia. Pensei, na hora, que se tratava de um filme sem diálogo. Mas não, em certo tempo há um diálogo, e dos mais eloquentes. Iris, depois do trabalho, passa num alfaiate e compra um vestido – era a primeira vez que não entregava num envelope todo o dinheiro para os pais. A cena em que ela chega em casa e mostra o vestido, e recebe um tapa na cara do pai, contém o primeiro diálogo do longa: “vagabunda!” A mãe complementa: “devolva.”

O longa de Aki Kaurismäki tem andamento lento, silencioso, com fotografia mais escura que clara. Os planos são sugestivos, recusam explicitar tudo, numa imediatez tipicamente capitalista. Até nos momentos de maior tensão, como um assassinato, a câmera não cede ao fetiche da imagem, da explicitação da violência, mas prefere algo contido, cru.

A garota da fábrica de fósforos é um belo exemplo de um cinema completamente desconhecido por mim, o finlandês. Por ser uma região que amplamente se chama escandinava, no norte europeu, talvez ele guarde alguma semelhança com o mestre sueco Ingmar Bergman, que foi um dos melhores diretores a criar obras que exploravam as relações interpessoais, os conflitos internos de cada um, tocando em temas como a vida e a morte, o sentido da vida, a fé, etc. Kaurismäki conta em seu filme como a opressão machista, dentro de um sistema de dominação que é o capitalista, penetra profundamente no interior das mulheres, matando-as por dentro e, muitas vezes, por fora. É, sem dúvida, um grande filme – e aqui vai um agradecimento ao Leonardo (ou Leandro) Antunes, criador do Cinetoscópio, que indicou o longa.

Rodrigo Mendes