Comentando Duelo de gigantes, de Arthur Penn (1976)

Para qualquer um e qualquer uma que gosta de cinema, assistir a um filme com Marlon Brando e Jack Nicholson no elenco é já, de primeira, um prato cheio. Ainda mais quando situamos o filme de Arthur Penn na década de 70 – o filme é de 76 –, década de ouro do cinema, aqui em especial o estadunidense. Em 1971 saia Laranja mecânica, de Stanley Kubrick; em 1972 e 74, O poderoso chefão (o primeiro com a atuação monumental do mesmo Marlon Brando); em 1976, Scorsese apresenta seu Taxi Driver; em 79 Coppola emplaca seu quarto grande filme na década, Apocalypse Now, também com Marlon Brando. Arthur Penn, o diretor do filme, é o mesmo de Bonnie e Clyde, de 1967, que eu não vi, mas que sei que foi um sucesso de público e crítica.

Como vemos, é uma década de grandes filmes, e aí é preciso apontar que Duelo de gigantes fica um pouco deslocado. Mas vamos agora comentar os aspectos internos do filme e vê-lo, agora, por si. Se trata de um filme de faroeste, então seu tempo e espaço nos remetem ao Velho Oeste, aquele mundo meio sertão, que os índios foram assassinados, as cidades estavam começando e o cavalo estava por toda parte. Um mundo sem a mediação do estado moderno de lei impessoal, seus códigos de conduta são orientados pela honra, pela vingança, por peleia entre gente de baixo e gente de cima; um mundo masculino, machista, com divisão social. O enredo coloca de maneira maniqueísta, comum em filmes de faroeste, os mocinhos, que são gente pobre, ladrões de cavalos; do outro, os vilões, que são os proprietários autoritários. Claro que o mocinho é um anti-heroi, já que todas as relações são pautadas pela violência daquele mundo. Tom Logan (Jack Nicholson) está do lado dos ladrões de cavalo (e de trens), e Marlon Brando é um temido caçador e matador de aluguel.

A fotografia do filme é bem interessante e investe bastante em planos abertos, gerais, que mostram a imensidão do espaço. A paleta de cores mostra bastante o contraste do céu azul límpido e o verde rarefeito daquele lugar algo inóspito. Mas também há closes muito bem escolhidos e gravados, principalmente da sequência final, da tensão ao desfecho. Outra questão da fotografia, que é interessante, é o uso da luz em cenas internas. É uma época anterior à luz elétrica, e Penn evita colocar luz artificial excessivamente para cenas à noite, mantendo uma escuridão que lembra a direção de fotografia que Coppola utilizou, em parceria com Gordon Willis, em O poderoso chefão, como que representando pictoricamente a obscuridade daquelas relações. A cena inicial é também um uso bacana da fotografia, com uma câmera parada, em um primeiro plano bem marcado por dentes-de-leão, e ao fundo, no vasto prado, três cavaleiros avançam lentamente. A sequência é um enforcamento bem gravado, sem fetichizar, mas rapidamente mostrando a violência, mais sugerindo que msotrando. As locações usadas para a gravação também são dignas de nota, casebres de madeira e longas cercas, além de ferrovias (é o início de estradas de ferro no velho oeste, basta lembrar de Era uma vez no oeste).

A trilha sonora que acompanha o filme complementa as cenas, às vezes investimento em uma melodia de ritmo mais acelerado, por vezes alegre e brincalhona; em outras, uma sobriedade com um fundo de mistério, e que parece remeter a um passado inatingível – os filmes de faroeste parecem um pouco isso, um passado intangível que se tenta recuperar, seja para criticar, seja para saudar.

Eu fiquei meio assim com a atuação do Marlon Brando, que pra mim é o maior ator, ao menos estadunidense, da história. Sua atuação está muito afetada, caricata. Eu encarei isso como um problema, embora reconheça que às vezes a caricatura tem seu efeito positivo. Ele era a máquina dos de cima para matar os de baixo, gozando da cara, ridicularizando. Esse aspecto canalha de governantes, por exemplo, é isso, uma zombação do povo. Se pensarmos então assim, sua atuação é magnífica, representando o mais fielmente essa violência, que nos tempos atuais diríamos, uma violência de classe social. Marlon Brando é bom e experiente, faz emergir seu talento em momentos-chave, em olhares discretos, pausas, etc. Às vezes irônico, incrementando o sentido da cena como um todo. A sequência final é lenta e agonizante, e essa agonia é suscitada pela baita interpretação de Brando, contracenando com Jack Nicholson, também excelente.

Dizem que Duelo de gigantes era pra ter sido dirigido por Stanley Kubrick, mas nenhuma forma estética aguentaria o duelo de egos de Brando, Kubrick e Nicholson. O título carrega essa ironia (em inglês é The Missouri breaks – em tradução livre: ‘O Missouri quebra’). O filme é bom, merece comentário, quebrou minhas expectativas. Para mim, ele se situa abaixo dos que citei no início, mas estabelece um diálogo muito interessante de época: os anos 70 eram muito violentos no mundo e nos EUA, fazendo com que essa violência irrompesse representada nas obras de arte daquele contexto histórico.

Rodrigo Mendes