A campanha contra a carestia de vida em 1913-1914 no Rio de Janeiro

O período 1913-1914 foi particularmente duro para os trabalhadores brasileiros. A economia do país, que vinha se desenvolvendo, em um período de crescente industrialização, sofre um grande impacto. O preço dos produtos de exportação cai e o aumento nas importações causa um baque na  balança comercial. A entrada dos capitais estrangeiros cessa, e o governo brasileiro é obrigado a pagar 10 milhões de libras esterlinas, por conta da divida externa. Como sempre acontece, este período de recessão recai sobre as classes populares. Em São Paulo grandes obras públicas são paralisadas, os salários caem de 15% a 20%. Ainda neste estado, fábricas fecham e nas que continuam a funcionar operários são despedidos à menor reclamação. No Rio de Janeiro os ramos mais atingidos foram o têxtil (então a maior indústria nacional) e da construção civil. Grandes empresas funcionam três dias por semana e obras também são suspensos. Servidores públicos federais também são demitidos aos milhares. Um dos efeitos mais sentidos deste panorama econômico para o povo é a grande alta nos preços dos gêneros alimentícios. Nas palavras do então anarquista Astrojildo Pereira, “o povo já não sabe se há de pagar o aluguel da casa ou se há de pagar a conta do armazém”.

Movimento contra a carestia começou no bairro de Vila Isabel/RJ.

Sensíveis aos grandes problemas dos trabalhadores e desempregados, o movimento anarquista do Rio, então em fase de reorganização, inicia campanha de reação contra a carestia de vida, Já em 1º de Fevereiro de 1913 o jornal da Confederação Operária Brasileira, A Voz do Trabalhador, protesta contra esta abusiva alta de preços, que considera maior na então capital federal,em que existiam cerca de 600 mil proletários. A matéria concluía afirmando que nada adiantaria apelar para os poderes públicos, que não teriam interesse “senão em mais apertar o círculo de privações em que se encontra a massa proletária” A solução apontada pelo jornal, assinada por R.S. (provavelmente o militante Rosendo dos Santos) era a da formação de um comitê de Agitação, “que obrigue essa horda de vampiros a recuar ante o desígnio que lhe absorve a sifilítica imaginação.”Um mês depois, exatamente a 1º de Março, o apelo da COB já é atendido pois a mesma publicação anuncia que comícios neste sentido já começavam a ser realizados, tendo o primeiro deles ocorrido na Rua Sousa Franco em Vila Isabel, sendo “regularmente concorrido”, tirando-se um comitê para aquele bairro, projetando-se a formação de outros comitês em bairros dos “arrabaldes, sempre tendo em vista a ação direta”.Seguiu-se um segundo comício no dia 24 de fevereiro no Largo de São Francisco, que lotou aquela praça com cerca de 3 mil pessoas.

Dentre os oradores estavam alguns dos mais proeminentes militantes da Federação Operária do Rio de Janeiro da época, destacando-se o militante anarquista negro Cândido Costa. Em seus discursos os oradores abordaram as causas da carestia de vida e concitaram o povo ali aglomerado a “que a organização deve ser o principal objetivo da vida do Explorado, visando ao aumento de salário,diminuição de horas de trabalho para as classes que ainda não conseguiram o dia de oito horas”. Mais um comício foi realizado em Vila Isabel/RJ a 2 de março.

A iniciativa iniciada naquele bairro, espalhou-se para o centro da cidade e outros locais, como Catumbi, Engenho de Dentro, Cascadura, Ponta do Caju e Bangu, realizando manifestações em sedes sindicais e ao ar livre, chegando a atingir âmbito nacional ao alcançar outras cidades como Niterói, Petrópolis e São Paulo. Inicialmente, as autoridades recorreram à repressão policial, que resultou em mortos e feridos. A 16 de março teve lugar o chamado “Comício Monstro” no Largo de São Francisco em que a multidão era tão numerosa que um representante da polícia, ao início deste, dirigiu-se, visivelmente amedrontado, à multidão declarando que a polícia não tinha intenção de reprimir o comício. Dissolvido o ato público, uma parte dos presentes dirigiu-se à sede da COB, onde recebeu a notícia da prisão de Pedro Matera, militante que dirigia a Escola 1º de Maio na Rua Sousa Franco em Vila Isabel. Acorrendo em massa à central de polícia na Rua da Relação, conseguiram a libertação do preso…

Fotografia histórica de três oradores operários da campanha contra a carestia de vida.

A campanha culminou com grande comício a 20 de abril de 1913, convocado pela COB, em que esta divulgou manifesto ao proletariado, distribuído por todo o Brasil, pregando a organização e a ação direta. Em dezembro, a Federação Operária do Rio de Janeiro ampliou a agitação contra carestia de vida, passando a incluir em sua pauta também a luta contra o desemprego e a continuação da campanha contra a Lei de Expulsão de Estrangeiros, a chamada Lei Adolfo Gordo.

Milton Lopes (jornalista e pesquisador).